http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/063.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

PARCERIA COLABORATIVA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Siliani Aparecida Martinelli
Profa. Dra. Cristina Yoshie Toyoda
Profa.Dra.Enicéia G.Mendes
Profa.Dra.Maria Amélia de Almeida
Programa de pós-graduação em Educação Especial/ UFScar


RESUMO

A inclusão de alunos com necessidades especiais constitui-se enquanto uma das metas a serem atingidas no momento atual. Dentre as várias estratégias utilizadas para a inserção e permanência deste aluno no ensino regular, a consultoria colaborativa tem se destacado, principalmente em estudos internacionais. O presente estudo pretende ilustrar trabalhos nacionais e descrever um relato de experiência, que apoiados na literatura internacional tem contribuído para ações bem sucedidas para a inserção destes alunos na rede regular de ensino. Este estudo foi desenvolvido durante o ano de 2005 em uma escola da rede municipal da cidade de São Carlos, Estado de São Paulo, com uma criança com deficiência em processo de inclusão. Os participantes foram uma professora da pré-escola, ensino infantil, uma criança com deficiência (síndrome de Treacher Collins) freqüentadora da sala e a aluna da disciplina da pós-graduação. Os dados foram coletados através da observação direta e registrados em um diário de campo. Os resultados apontaram para á aquisição de habilidades essenciais para o desenvolvimento do trabalho colaborativo.

INTRODUÇÃO                                            
O discurso da educação inclusiva vem levantando alguns questionamentos, constituindo-se em um assunto recorrente e controvertido em nosso país. Desta forma, estudos nacionais, Zanata (2004), Capellini (2004), Mendes e Toyoda (2004) apontaram para a falta de procedimentos que garantam não apenas o acesso, mas a permanência e ações bem sucedidas para alunos com necessidades especiais matriculados em classes comuns.
Uma das estratégias utilizadas para o sucesso da inclusão de alunos com necessidades especiais na rede regular de ensino, são os estudos que apontam para o trabalho colaborativo e em tempos de inclusão torna-se oportuno ilustrar como o trabalho colaborativo é um meio promissor para que alunos com necessidades especiais possam usufruir das mesmas condições de ensino com seus pares normais na rede regular de ensino.
Um estudo do Centro Nacional de Reestruturação Educacional e Inclusão (National Center on Educational Restructuring and inclusion – NCERI) tem apontado fatores que podem contribuir para o sucesso das práticas de inclusão, tais como: liderança visionária, colaboração, práticas instrucionais efetivas, adaptação do currículo e suporte para a equipe e estudantes (HAMIL,JANTZEN,BARGERHUFF, 1999).
Assim dentre os vários fatores que podem contribuir para as práticas inclusivas o trabalho colaborativo entre professores da educação geral e especial vem ganhando reconhecimento e tem sido apontado principalmente pela literatura americana como um dos fatores para o sucesso da permanências dos estudantes com necessidades educacionais especiais na escola.
 Segundo Gateley em Gateley (2001) o ensino colaborativo, também conhecido como co-ensino, é definido como a colaboração entre professores da educação geral e especial nas responsabilidades de ensino para estudantes de uma classe, onde dois professores trabalham juntos e desenvolvem um currículo diferenciado que possa suprir as necessidades de todos os alunos, dividindo entre si o planejamento, a avaliação e o manejo da classe visando a melhora do ambiente de aprendizagem.
De acordo com o exposto acima o ensino colaborativo ou co-ensino pode ser definido como um modelo de prestação de serviço de educação especial e para que tal modelo se estabeleça é necessário o envolvimento e compromisso de professores, da escola, de pais e da comunidade.
Para a criação, implementação e manutenção do co-ensino são necessários alguns conhecimentos; Keefe, Moore e Duff (2004) propõem quatro áreas essenciais que os educadores precisam saber como: conhecer a si mesmo, conhecer seu parceiro, conhecer seus alunos e conhecer seus “materiais”. Conhecer a si mesmo consiste em reconhecer as próprias forças e fraquezas, questionar suas bases, dividir suas visões com seu parceiro e estar aberto para mudanças. Conhecer o parceiro não implica em amizade, mas numa relação profissional de confiança mútua, onde cada um tem uma visão particular  do aluno que integradas e discutidas podem contribuir para  o sucesso do mesmo.Conhecer seus alunos implica em não somente apontar suas habilidades, mas também oferecer oportunidades para que estes expressem seus interesses e demonstrem percepções, promovendo a comunicação entre professor e aluno. Conhecer seus materiais para melhor adapta-los a necessidade do aluno é outra área essencial do professor comprometido com a educação inclusiva.
Além dos  aspectos mencionados,  os professores da rede  e da educação especial precisam entender seus papeis, compreender que suas habilidades e diversidades quando combinadas, faz de ambos,  professores mais efetivos em encontrar as necessidades dos alunos e não apenas aqueles com necessidades especiais (RIPLEY, 1997).
Além dessas 4 áreas essenciais citadas como fundamentais para o trabalho colaborativo, Gately e Gateley (2001) definem três diferentes estágios com graus variados de interação e colaboração dos professores. No estágio inicial os professores se comunicam superficialmente na tentativa de estabelecer um relacionamento entre si;  há a necessidade de compreensão do processo para que não fiquem estagnados nesse primeiro estágio. No estágio de comprometimento, a comunicação dos professores é mais freqüente, aberta e interativa, o que possibilita que eles construam o nível de confiança necessário para o ensino colaborativo e o professor de educação passa a ter um papel mais ativo em sala de aula. No estágio final, ou colaborativo os professores se comunicam e interagem abertamente, trabalham juntos e um complementa o outro.
Estudos como o de Capellini (2004), Mendes e Toyoda (2004), apontaram fortes evidencias de que o trabalho colaborativo é um processo adaptativo que envolve tempo, não é tão simples e nem sempre é uma experiência positiva para os educadores envolvidos (MENDES, 2005).
Os papeis e responsabilidades de professores e administradores estão mudando ao longo do tempo o que implica na necessidade de mudança nos programas de formação de professores para suprir as novas demandas nessa área. Isto implica na necessidade de acabar com a separação existente entre a educação regular e especial, possibilitando a colaboração entre os profissionais, para mudanças na reestruturação escolar e currículo pedagógico para que consigam com o exercício da prática em situações reais promover a inclusão (HAMIL,JANTZEN,BARGERHUFF, 1999).
As implicações destes estudos indicam a necessidade de produzir mais pesquisas sobre as possibilidades de colaboração entre educação regular e especial nas escolas, bem como da importância de mudar as concepções da formação de professores do ensino regular e especial a fim de capacitá-los para atuar na parceria colaborativa. Outro aspecto é que a colaboração é uma estratégia fundamental para a sociedade do século XXI e da perspectiva da educação inclusiva (MENDES, 2005).
Desta forma o presente estudo teve como objetivo a implementação e intervenção de um profissional (Terapeuta Ocupacional) em um processo de parceria colaborativa na rede regular de ensino, juntamente com um professor do ensino regular em cuja sala de aula estava inserido um aluno com necessidades especiais.

MÉTODO

Esta experiência de parceria colaborativa desenvolveu-se durante o ano de 2005 como um dos requisitos de avaliação de uma disciplina da Pós-graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos.
O estudo foi realizado em uma escola da rede municipal da cidade de São Carlos, Estado de São Paulo, com uma criança com deficiência em processo de inclusão.
 Os participantes foram uma professora da pré-escola, ensino infantil, antigo pré- primário, uma criança com deficiência ( síndrome de Treacher Collins)*   freqüentadora da sala e a aluna da disciplina da pós-graduação, que foi denominada como  pesquisadora . O instrumento utilizado para o estudo consistiu em um caderno e uma caneta para anotar as ações da professora e da criança.
O contato inicial foi realizado com a diretora da escola, explicando os propósitos do trabalho, e o mesmo procedimento foi realizado com a professora. Estabelecido os devidos esclarecimentos e a concordância deu-se prosseguimento ao estudo.
O trabalho foi desenvolvido ao longo de um semestre com a visita regular da pesquisadora à escola, uma vez por semana. Esta visita consistiu em permanecer dentro da sala de aula, observando e interagindo com os alunos e a professora. Ao todo foram seis visitas sendo que este número reduzido foi devido às diversas faltas do referido aluno à escola além do fato do início da observação ter começado no mês de maio. O tempo de permanência em sala de aula correspondeu a quatro horas (período de aula), sendo que as observações e os contatos eram também realizados durante o período de intervalo dos alunos, ou seja no horário do lanche. Ao final de cada ida a escola e mesmo durante a aula a pesquisadora foi anotando os acontecimentos relevantes, que após cada visita foram registrados minuciosamente em um diário de campo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Notou-se que nos encontros iniciais do trabalho, a pesquisadora foi vista pela professora como um “quebra galho”, ou seja, não como alguém para compartilhar, mas para sanar alguns problemas do próprio sistema da escola. A professora despendia grande parte do seu tempo para executar trabalhos manuais (enfeites) solicitados para eventos de datas comemorativas, tais como; festa junina e dia das mães e ausentava-se da sala , solicitando à pesquisadora para substituí-la. Apesar de considerar tal atitude inadequada e da percepção em relação à situação, considerou-se melhor deixar transcorrer sem fazer qualquer comentário para a professora com o objetivo de não criar embates, logo no início do trabalho colaborativo.
Considerou-se que este tipo de atitude por parte da pesquisadora contribuiu para o estabelecimento de diálogos futuros com a professora, com uma maior aceitação de sugestões quanto as suas atitudes de superproteção em relação ao aluno e as necessidades de adaptações em relação às atividades desenvolvidas em sala de aula. Das observações realizadas em sala de aula, o que mais chamou a atenção da pesquisadora foi o comportamento do aluno, que se manifestou através de desordens com os materiais, birras quando contrariado, chamando a atenção para si e envolvendo os demais para a situação.


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* A síndrome de Treacher Collins ou disostose mandibulofacial é uma doença hereditária rara, autossômica dominante que se apresenta com deformidades crânio-faciais, sendo a surdez condutiva e a fissura palatina as manifestações clínicas mais freqüentes (ANDRADE et al., 2005).


 A pesquisadora interviu nesse processo procurando oferecer mais limites nestes comportamentos, mostrando que as regras para os demais alunos também eram para ele. O comportamento do aluno foi melhorando também à medida que foi se envolvendo em atividades do seu interesse onde pode perceber melhor suas capacidades. O suporte positivo como apontado por Stainback e Stainback (1999) é fundamental para que os alunos tenham oportunidade para obter sucesso acadêmico: Um aluno que experimenta o sucesso tem menos probabilidade de ter uma estrutura mental rebelde e pode conseguir a atenção do professor e dos colegas, sem precisar exibir um comportamento nocivo (STAINBACK e STAINBACK, 1999, p.389).
O estabelecimento de diálogos com a professora não foi uma tarefa fácil, uma vez que a mesma sempre apontava para a falta de tempo para discutir planos de ensino, relatando ter uma agenda a cumprir; entretanto, a pesquisadora conseguiu um espaço,   que proporcionou trocas entre ambas, auxiliando na compreensão de práticas pedagógicas e conhecimento pessoal (limites, expectativas, frustrações) para melhor atender as necessidades dos alunos e não apenas aqueles com necessidades especiais.   A pesquisadora considerou que diálogos posteriores e uma pequena aproximação com a professora foram conseguidos, pois não houve uma crítica inicial em relação ao comportamento da mesma, apesar de considerar tal procedimento inadequado. Pode-se notar que o presente estudo se aproximou em um curto período de tempo a um estágio de colaboração de comprometimento, definido por Gately e Gateley (2001) no qual ambos os professores estabelecem diálogos, confiança mútua e interagem a fim de melhor auxiliar os alunos.
A pesquisadora também considerou de fundamental importância, o conhecimento de si mesma, a fim de superar ou encarar as frustrações, aceitar e conhecer seus próprios limites assim como do outro, e estas constatações vão de encontro aos postulados de Keefe, Moore e Duff (2004) já citados anteriormente, para o desenvolvimento da parceria colaborativa.
Este estudo possibilitou demonstrar que a parceria colaborativa, conhecidos seus propósitos, bem como a atuação “in loco” pode vir a tornar-se um meio promissor para auxiliar o processo de inclusão escolar e favorecer a permanência da criança com necessidade educacional especial no ensino regular.


REFERÊNCIAS
ANDRADE, E.C. et al. Síndrome de Treacher Collins com atresia conal: relato de caso e revisão de suas características. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v.71, p. 107-110, 2005.
CAPELLINI, V.L.M.F. Possibilidades da colaboração entre professores do ensino comum e especial para o processo de inclusão escolar, Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos, p. 198, 2004
GATELY, S. E., GATELY, F.J., Understand coteaching components. The Council for Exceptional Children, v.33, n.4, p.40-47, 2001.
HAMIL, L.B.,JANTZEN, A.K.e  BARGERHUFF, M. E. Analysis of effective educator competencies in inclusive environments. Action in Teacher Education, 21, nº3, pp.21-37, 1999.
KEEF, E. B., MOORE, V., DUFF, F. The four “knows” of collaborative teaching, Teaching exceptional children, 36(5), p. 36-42, 2004.
MENDES, E.G. Colaboração entre ensino regular e especial no processo de construção da inclusão escolar, trabalho apresentado na mesa redonda “ A pesquisa sobre inclusão na escola básica”VII encontro de pesquisa em educação no Brasil/ região sudeste-educação: direito ou serviço, de 12 a 15 de junho de 2005, UFMG, Belo Horizonte, 2005.
MENDES, E.G., TOYODA, C.Y. Projeto S.O.S. Inclusão – Consultoria colaborativa para favorecer a inclusão escolar num sistema educacional municipal. Relatório preliminar do projeto, 15 páginas. São Carlos, Universidade Federal de São Carlos. Mimeo, 2004.
RIPLEY, S. Collaboration between general and special education teachers. ERIC Digests, ED409317, 1997.
STAINBACK, S. e STAINBACK, W. Inclusão – um guia para educadores.Trad. Magda França Lopes, P.Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
ZANATTA, E.M. Planejamento de práticas pedagógicas inclusivas para alunos surdos numa perspectiva colaborativa, Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos, p.222, 2004