http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/131.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

MOTRICIDADE: PERCEPÇÃO ESPACIAL E TEMPORAL
EM ESCOLARES SURDO
Sheila Glaucieli Fenske, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em  Educação   Especial, Ufscar/ São Carlos-SP- sheilafenske@yahoo.com.br
Maria da Piedade Resende da Costa, Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, UFSCar/São Carlos-SP - piedade@power.ufscar.br


RESUMO

A percepção espacial e temporal é indicada como um possível fator de interferência no aprendizado da criança, desde o motor até outras áreas relacionadas à escolarização da criança num todo, como a alfabetização. Todavia, alguns estudos indicam que a criança surda apresenta um atraso motor quanto a estes aspectos, dificultando seu completo desenvolvimento. Diante disso, procurou-se investigar quais as condições da organização espacial e temporal em escolares surdos. Participaram da pesquisa oito alunos surdos de dois municípios do interior do estado do Paraná. Para a coleta dos dados utilizou-se o Manual de Avaliação Motora sendo os resultados analisados segundo o padrão proposto pelo mesmo. Nas avaliações efetuadas, verificou-se um atraso motor acentuado, sendo poucas as ocorrências de idade motora equivalente a idade cronológica.

Palavras-chave: Educação Especial, percepção espacial e temporal, avaliação motora.

INTRODUÇÃO
            A Educação Física Escolar, com o princípio da Inclusão, deve desenvolver as competências de todos os alunos e adotar as estratégias necessárias para que eles tenham acesso aos seus conteúdos, evitando a exclusão ou alienação (AGUIAR & DUARTE, 2005). Para as séries básicas, 1° e 2° ciclos, os componentes da psicomotricidade são elementos que devem ser proporcionados a todas as crianças, uma vez que se relaciona ao conhecimento corporal.
            Para Sens e Molinari (2002-3), a educação psicomotora deve prever a formação de base para o desenvolvimento motor, afetivo e psicológico da criança, oportunizando que ela se conscientize sobre seu corpo através de jogos e atividades lúdicas.
            Dentre os aspectos psicomotores, ou motores, como nomeia Rosa Neto (2002), tem-se a percepção espacial, que relacionam-se ao uso do corpo num contexto espaço-temporal e ao uso com maior desenvoltura de um dos lados corporais, respectivamente (PICQ E VAYER, 1982; ROSA NETO, 2002).
            A noção espacial é resultado, principalmente da experiência pessoal. No entanto, Picq e Vayer (1988) indicam que não se pode substituir totalmente os limites ditados pela maturação progressiva da atividade mental por inúmeras experiências.
            O desenvolvimento da percepção espacial da criança passa por transformações de acordo com essa maturação progressiva. Primeiramente, por volta dos seis-sete anos, a criança passa a perceber os conceitos de direita e esquerda em relação ao próprio corpo. Junto a isso, considera o alto-baixo e o frente-atrás em relação ao seu corpo, uma vez que ele é seu ponto de referência em relação ao espaço que o circunda (LE BOULCH, 1987). Isso é o que o autor chama de corpo vivido, pois não há uma representação mental e sim, uma percepção do espaço em função da ação. A partir dos nove anos, essa noção de direita-esquerda já é transferida para outra pessoa.
Neste sentido pode-se considerar o mesmo em relação aos outros conceitos espaciais. Le Boulch (1987) aponta que a partir desta fase, a criança consegue representar os objetos ou situações por realizar operações no plano virtual, pela tomada de distância em relação aos mesmos.
            Quando a percepção espacial não está bem estruturada, pode-se ter algumas dificuldades inclusive no aprendizado da escrita, como a confusão de letras ao escrever ( b com d, p e q), troca de 21 e 12 quando se tem dificuldades quanto a direita e esquerda, troca de b e p ou n e u quando com dificuldades em relação aos conceitos de alto-baixo.        
A percepção temporal acontece de uma forma diferente. Neste sentido, Picq e Vayer (1988) alegam que não se percebe o tempo em si, apenas os acontecimentos, com seus movimentos e ações, velocidades e resultados. Possui dois grandes componentes, ordem e duração, que evocam a memória. Para Pícollo (1995) e Rosa Neto (2002),  a ordem define a sucessão entre os acontecimentos e a duração a variação do intervalo entre o início e o fim destes.
A percepção subjetiva do tempo ocorre pela vivência do ritmo. Trier Píccolo (1995) indica que o tempo, no sentido do ritmo será sempre um tempo vivido.
A organização da referida ordem dos acontecimentos e estimativa de duração direciona a construção do tempo psicológico, onde a distinção entre o simultâneo e o sucessivo varia de acordo com os receptores utilizados, audição ou visão (RIGAL, 1988, citado por ROSA NETO, 2002).
Embora a criança tenha dificuldades em seguir os movimentos e distinguir as prioridades temporais e espaciais, principalmente as velocidades, a percepção do tempo evolui com a idade (LE BOULCH, 1988; ROSA NETO, 2002).
Em relação a população surda, Arjona e Fernandez (2007) referem que ela tem um atraso motor em relação a população em geral devido, principalmente, a falta de experiência. Bischoff et al (1996, citado por PASETTO, 2004) enfatiza que a surdez não é responsável direta pelo atraso motor, sendo este, muitas vezes,conseqüência da surdez neurossensorial, que afeta o equilíbrio e tônus labirintítico, que afeta a interação com o ambiente.
            Baseado nas informações apresentadas por Castro,Viana e Alencar (2007), tem-se a compreensão de que a criança surda terá mais dificuldades na aquisição da escrita, principalmente se sua perda auditiva for pré-lingual e usar Língua de Sinais. Isso devido a não ter contato com a linguagem comumente usada para comunicação e a estruturação diferenciada da Língua de Sinais em relação ao Português. Assim, as confusões na leitura, que deve ser da esquerda para a direita e outras trocas na escritas são comuns acontecer.
            Considerando a influência da percepção espacial e da lateralidade num bom desenvolvimento da criança e a possibilidade de esta ocorrer com um atraso maior em surdos, objetivou-se verificar qual a condição motora apresentada por crianças surdas nestes dois aspectos psicomotores.

MÉTODO
A pesquisa foi realizada em dois municípios do interior do estado do Paraná, no ano de 2004. Participaram seis alunos da cidade de Toledo e dois alunos da cidade de Marechal Candido Rondon, matriculados na rede regular de ensino, diagnosticados como alunos com surdez. A seleção dos participantes foi de forma aleatória, de acordo com a presença dos alunos na escola. Apenas 2 alunos de Toledo, na idade pretendida não participaram da avaliação.Teve-se como objetivo verificar a percepção espacial e a estruturação da lateralidade de crianças surdas de 10 a 12 anos. Caracterizando-se como uma pesquisa descritiva, o instrumento utilizado para a coleta dos dados foi o Manual para Avaliação Motora de Rosa Neto (2002), com algumas adaptações para que as tarefas de estruturação espaço-temporal pudessem ser realizadas por surdos. Para a análise da Idade Motora e da lateralidade foi utilizada a Escala de desenvolvimento Motor, proposta por Rosa Neto (2002), sendo os resultados quantificados apresentados em gráficos. Os testes motores verificaram um atraso na percepção espacial e temporal nas crianças avaliadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
            Na avaliação da organização espacial, os alunos de Toledo tiveram uma resposta semelhante quanto ao seu quociente motor, exceto pelo Aluno 1, que apresentou uma idade motora acima da idade cronológica para este aspecto (Ver Fig. 1).

Figura 1– Quociente motor da Organização Espacial – Toledo
            Os demais alunos, embora apresentassem resposta semelhante, não foram considerados dentro de um padrão almejado, uma vez que estão abaixo do esperado para suas idades cronológicas. Para que estivessem na faixa ideal, deveriam situar-se no 100, o que corresponderia a Idade Motora igual à Idade Cronológica.

Figura 2– Quociente motor da Organização Espacial – MCR

Em relação aos dois alunos da cidade de Marechal Cândido Rondon, verificou-se que ambos demonstraram atraso (Ver Fig. 2). Todavia dois aspectos devem ser considerados. O primeiro é que o aluno 1 demonstrou uma acentuada dificuldade de comunicação, não fazendo leitura labial e não se comunicando em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). A comunicação durante a realização dos testes deu-se por gestos, desenho, e alguns poucos sinais (LIBRAS) que o aluno conseguia compreender. Ponderando as considerações de Marchesi (1995) e Bianchetti (1994), para os quais os fatores comunicativos interferem na aprendizagem e conseqüente evolução do surdo, o atraso motor apresentado não foi exagerado. Tem-se ainda a possibilidade de, pela dificuldade de comunicação o aluno não ter compreendido perfeitamente o que se requeria dele em algum dos testes, o que alteraria o escore obtido.
O segundo é que o aluno 2, mesmo sendo o único aluno com surdez leve, demonstrou uma percepção espacial em defasagem. Considerando que ele tem contato com linguagem, uma vez que a utilização de aparelho auditivo lhe possibilita ouvir e também, comunicar-se mais facilmente através do português, é algo a ser considerado de uma forma especial, pois como aponta Kirk (1996), as características de uma criança com surdez leve são mais semelhantes às de uma criança com audição do que ás de uma criança surda.

A diferença do quociente motor dos 2 alunos é relativamente grande (22,2), mas ambos ainda estão abaixo do ideal para suas idades sendo que o aluno 1 está na faixa denominada de normal baixo (80 – 89) e o aluno 2 na faixa denominada muito inferior (69 ou menos), conforme demonstrado na Fig. 3.

            Quanto a Organização Temporal, os resultados apresentados foram os seguintes:

Figura 3– Quociente motor da Organização Temporal – Toledo


Alguns estudos, ao abordar a organização temporal o fazem conjuntamente com a espacial, denominando-a organização espaço-temporal, o que demonstra uma relação muito próxima entre ambos (PIAGET, 1964; FONSECA, 1995a, citados por LIMA, 1997). Contudo, a avaliação deste aspecto demonstrou que a organização do mesmo foi melhor do que a espacial. Mesmo estando em defasagem, se considerado a idade cronológica, esta é em menor escala que o anterior, excetuando-se o aluno 1. A diferença mais significativa deu-se no aluno 3, cuja avaliação foi de 63,4 para organização espacial e de 115,8 para a temporal.

No município de Marechal Cândido Rondon teve-se:

Figura 4– Quociente motor da Organização Temporal - MCR

            Em ambos os alunos, a organização temporal demonstrou estar melhor estruturada, aproximando-se do ideal no aluno 2.

            Apesar de expor-se as avaliações de duas cidades, não é possível fazer um paralelo entre elas em vista de ter-se um número pequeno de participantes, principalmente em Marechal Cândido Rondon, onde um dos avaliados tem apenas surdez leve.

CONCLUSÃO
Os resultados obtidos na avaliação da percepção espacial e da lateralidade mostraram que o desenvolvimento motor da criança surda está abaixo do esperado para a faixa etária analisada no teste, repetindo-se, provavelmente, em crianças de outras idades.
Beltrame, Maciel e Machado (1995) indicam que a criança surda tem dificuldades com as noções espaço-temporais, ocasionando uma dificuldade em situar-se no passado, no presente e na projeção do futuro. Para os autores, isso pode ter relação com a dificuldade que o surdo encontra em contextualizar no presente o que é reflexo do passado, com possibilidades de efeitos no futuro, o que seria uma dificuldade concreta de tornar-se um sujeito histórico.    
A percepção espacial, sendo um influenciador na aprendizagem do movimento da criança, do seu comportamento motor e, inclusive da alfabetização, não deve ser abordada em poucos momentos. Desenvolver a compreensão da criança, de que tudo que ela faz tem um significado e que o mesmo está relacionado ao espaço que a circunda pode favorecer sua percepção de ser no mundo.
            Noções básicas de direita-esquerda, alto-baixo, entre outras, relacionadas a esta percepção espacial são condições presentes em situações diversas do cotidiano, o que transcende a idéia de apenas estar ligada à Educação Física.
            A noção de conceito espacial é adquirida a partir do próprio corpo. Lima (1997)  revela que é uma construção mental, instrumentalizada através de movimentos operacionalizados pela criança quanto aos objetos que estão no espaço circundante.
            De certo modo, toda esta estruturação funciona como uma cadeia de desenvolvimento, onde cada parte pode ser pré-determinante para a anterior.
            A surdez por si só, como enfatiza Bischoff et al (1996, citado por PASETTO, 2004), não leva ao atraso motor, sendo a falta de experiência motora a maior responsável (ARJONA & FERNANDEZ, 2007) por este atraso.
            A Educação Física escolar, como disciplina relacionada ao corpo pode contribuir acentuadamente nesse desenvolvimento da criança, possibilitando que a criança conheça seu próprio corpo, relacionando-o com o espaço que a cerca, para em seguida, perceber os outros, que com ela interagem.



REFERÊNCIAS

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BIANCHETTI, L. PEREIRA, V.R.  Educação Física para deficientes auditivos: uma abordagem pedagógica.  Rev. da Educ. Fís., v.5, nº1.  Maringá: 1994. p.19-25.

CASTRO, G.M.; VIANA, T.V.; ALENCAR, M.L.  Movimentos silientes: a educação psicomotora no tratamento de problemas de aprendizagem em alunos surdos. Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 20, p. 81-89, jan./abr. 2007.

KIRK, Samuel A.; GALLAGHER, James J.  Educação da Criança Excepcional.  Ed. 3.  São Paulo:  Martins Fontes,  1996. P. 3-62;  229 – 273.

LE BOULCH,  Jean.  O desenvolvimento psicomotor do nascimento até 6 anos.  5.ed.  Porto Alegre:  Artes Médicas,  1988.

LE BOULCH,  Jean.  Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar.  Porto Alegre:  Artes Médicas,  1987.

LIMA, M.S.C.  Motricidade, escrita e leitura: possíveis elos de ligação em crianças com dificuldades de aprendizagem?  Campinas, SP: FE/UNICAMP,  1997. 202p.

MARCHESI, A.  Comunicação linguagem e Pensamento das Crianças Surdas. Cool, C; Palácios, J; Marchesi, A. (org).  Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais na aprendizagem escolar, v.3.  Porto Alegre:  Artes Médicas, 1995, p.198-214. cap.13.

MOLINARI, A.M.P; SENS, S.M. A Educação Fìsica e sua Relação com a Psicomotricidade. Rev. PEC.  Curitiba, v.3, nº1, p.85-93, jul 2002-jul.2003.

PASETTO, S.C. Os efeitos da utilização de dicas visuais no processo ensino-aprendizagem de habilidades motoras de aprendizes surdos. Campinas, SP, 2004. (Dissertação de Mestrado).

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PICQ, L;  VAYER, P.  A criança diante do mundo.  Porto Alegre:  Artes médicas,  1982.

PICQ, L;  VAYER, P.  Educação Psicomotora e Retardo Mental: aplicação aos diferentes tipos de inadaptação.  4ª ed.  São Paulo, SP: Manole LTDA,  1988.

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