2 - TEORIAS GLOBAIS SOBRE O CIÚME
A literatura mundial que trata do ciúme é
abundante, e as divergências de opinião acerca do assunto também o são. Embora
o conceito de ciúme tenha uma dimensão pluralística, no sentido de admitir a
coexistência de vários princípios na tentativa de explicá-lo, é freqüente que
os autores se respaldem na definição fornecida, em 1981, pelo autor Gregory
White por contemplar um número maior de fatores e por ser menos contraditória
em relação a todas as outras que lhe sucederam. É por essa razão que doravante
buscaremos esboçar um breve panorama histórico de como tal conceito foi
compreendido, a fim de que possamos nos aproximar de uma padronização
conceitual, ao menos para os nossos objetivos.
2.1.
Ciúme: um breve panorama
histórico.
Numa perspectiva mais ampla, que remonta há
aproximadamente vinte e quatro séculos atrás, Aristóteles (2001) definia o
ciúme como o desejo de ter o que outra pessoa possui, isto é, originariamente
ele era concebido como uma qualidade boa e se referia ao desejo de imitar uma
nobre atitude característica de uma outra pessoa. Nesta acepção, o
filósofo pensava o ciúme em termos de uma nobre inveja.
Mais tarde, encontramos nas referências bíblicas
ilustrações que denotavam como o ciúme já tinha sido concebido como algo
belicoso à boa vivência do amor. Salomão, em seu livro “Cântico dos Cânticos[1]”,
acreditava que o amor era forte como a morte e o ciúme, concebido enquanto uma
paixão, era cruel como um túmulo.
Treze
séculos depois, o autor de
epigramas, escritor clássico e moralista francês François de la Rochefoucauld[2] reconhecia no ciúme uma tendência egocêntrica ao
dizer: há no ciúme mais amor-próprio do que amor. Este autor ainda identificava o amor como
substrato para a gênese do ciúme: O ciúme nasce sempre com o amor, mas nem sempre morre com ele.
Rochefoucauld (2006)
ainda associa o ciúme às grandes mazelas humanas, em suma, para ele, o maior de
todos os males.
No século XIX, na Alemanha, o ciúme, era concebido
por Freud como um estado emocional. Segundo Freud (1922/
1976), “O ciúme é um daqueles estados emocionais, como o luto, que
podem ser descritos como normais” (p. 271). No texto Alguns mecanismos
neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo, o autor faz uma
distinção entre três tipos de ciúmes, o competitivo ou normal, o projetado e o
delirante. Então, Freud (1922/1976, p. 271), escreveu
sobre a projeção do ciúme:
O ciúme da segunda camada, o ciúme
projetado, deriva-se, tanto nos homens quanto nas mulheres, de sua própria
infidelidade concreta na vida real ou de impulsos no sentido dela que
sucumbiram à repressão. É fato da experiência cotidiana que a fidelidade,
especialmente aquele seu grau exigido pelo matrimônio, só se mantém em face de
tentações contínuas. Qualquer pessoa que negue essas tentações em si própria
sentirá, não obstante, sua pressão tão fortemente que ficará contente em
utilizar um mecanismo inconsciente para mitigar sua situação. Pode obter esse
alívio - e, na verdade, a absolvição de sua consciência - se
projetar seus próprios impulsos à infidelidade no companheiro a quem deve
fidelidade.
Assim, para este autor, o ciúme poderia estar
associado, no próprio ciumento, com as suas próprias traições. Destarte, para
Freud (Freud, 1922/1976) é o desejo e a possibilidade virtual de trair o
parceiro que engendra em cada parceiro o próprio ciúme.
Em Paris, para Stendhal (1999), o ciúme tinha uma
conotação negativa e estava atrelado à vaidade quando dizia que o que tornava a
dor do ciúme tão aguda era a vaidade que não contribuía para nos ajudar a
suportá-la.
Observa-se, na literatura científica, que estudos
sistemáticos sobre o ciúme aumentaram significativamente a partir de 1977,
quando da realização de reuniões anuais científicas que o incluíam como tema de
estudo. Isto aconteceu, em especial nos eventos da Midwestern Psychological
Association e da American Psychological Association. Atualmente este
é uma das temáticas que mais cativa os pesquisadores em todo o mundo (Ramos
& Spera, 1995).
2.2.
Teorias a respeito do
ciúme.
Tanto o amor como o ciúme, possuem uma extensa
variedade de formas e explicações, sob diversos prismas. Focalizaremos algumas
delas de acordo com os objetivos desta pesquisa.
Atualmente,
alguns teóricos consideram o ciúme como sendo um sentimento (Albisetti, 1994;
Cavalcante, 1997; Clanton & Smith, 1998; Gikovate, 1998; Pines, 1998; Pines
& Aronson, 1983 e Shettel-Neuber, Bryson & Young, 1978) outros como uma
emoção negativa (Lazarus, 1993; Mathes, 1992; Montreynaud, 1994; Savian, 2002; Shinyashiki & Dumêt, 2002), ou ainda, uma emoção
aversiva (Buunk, 1991 e McIntosh & Tangri, 1989). Há os que o concebem como
um complexo de pensamentos, emoções e ações (Clanton, 1998; Ferreira-Santos,
1998; Hupka, 1981; 1991; Parrot, 1991; Pfeiffer & Wong, 1989; Rydell, McConnell
& Bringle, 2004; Sharpsteen, 1991, 1993; White, 1981b, 1984; White & Mullen, 1989 e Zammuner, 1995).
Para
alguns autores, existem vários tipos de ciúme (Sheets & Wolfe, 2001),
diversos graus de ciúme (Ramos, 1998; 2000; Shinyashiki & Dumêt, 2002),
manifestações de ciúme distintas para homens e mulheres (Bringle &
Buunk, 1986; Buss, 2000; Pines & Friedman, 1998; White & Mullen, 1989)
e mais de um tipo de ciúme em relação a uma mesma pessoa amada (Gikovate,
1998). As pessoas também podem ficar mais ciumentas durante períodos de
fracasso ou perda (Pittman, 1994). E ainda, podem-se ter ciúmes de objetos,
coisas, animais e pessoas, em diferentes intensidades e com relação ao mesmo
objeto valorizado de múltiplas maneiras (Almeida, 2005).
2.2.1 A teoria evolutiva e a etiologia do ciúme em
relação à infidelidade.
Abstraindo-se nossas aspirações mais românticas, o
amor seria uma espécie de contrato biológico entre um homem e uma mulher. Para
a etologia, ciência que estuda as origens dos comportamentos dos seres humanos
e animais, esse contrato determinaria que, em troca de recursos trazidos por um
homem para garantir a alimentação, o abrigo e a proteção da mulher e dos filhos
dele, esta, em contrapartida, disponibilizaria o seu útero, com exclusividade,
à disposição do mesmo.
Contudo, a infidelidade parece que sempre rondou o
amor entre as pessoas em todas as épocas, pois, segundo o que nos mostram as
pesquisas (e.g. Daly, Wilson & Weghorst, 1982) a infidelidade é
comum em todas as sociedades humanas conhecidas. Consoante Fisher (2006):
“fomos constituídos para amar e amar novamente” (Fisher, 2006, p.193). Viscott
(1996) aponta que existem tantos motivos que levam as pessoas a traírem seus
parceiros quantos relacionamentos amorosos. Para este mesmo autor “trair é investir
em outra pessoa aquela energia emocional e sexual [e demais recursos como
tempo, dinheiro, etc] que deveria ser direcionada para seu parceiro” (Viscott,
1996, p. 193). Em uma de suas pesquisas Goldenberg (2006) indica que 60% dos
homens e 47% das mulheres confessaram ter traído seus(suas) parceiros(as).
Nesta mesma pesquisa, ao responderem se foram traídos, 41% das mulheres e 32%
dos homens afirmaram que sim. As razoes apontadas para a infidelidade feminina
foram: falta de amor, insatisfação, e ainda crise ou problemas no casamento.
Entretanto, os homens apontaram, além dos mesmos motivos, outros como: natureza
masculina, instinto, “aconteceu”, oportunidade, atração, desejo, vontade,
tesão, testicolocefalia, não conseguir resistir, para não se arrepender das
oportunidades que perdi.
Alberoni (1986) afirma que a
princípio, ao escolher, ainda que inconscientemente, um parceiro afetivo, mesmo
para aventuras breves, o que se procura é o prazer. Assim, segundo este autor
pode-se dizer que o que se pede então ao objeto da escolha é que este seja
essencialmente um fator de satisfação que reforce nosso comportamento de
renovar a sua procura e nossos sentimentos e pensamentos amorosos por sua
pessoa. Isto também pode explicar em partes o comprometimento dos
parceiros numa relação amorosa e suas vicissitudes. Caso
este mecanismo falhe, a relação cessa imediatamente ou com o passar do tempo. Assim,
segundo Buss, Larsen, Westen e Semmelroth (1992), o ciúme então, pode ser
compreendido como resultado de uma adaptação evolutiva a obstáculos
experienciados por homens e mulheres em relação aos relacionamentos amorosos
que constituíram ao longo do tempo. Desta forma, o ciúme estaria relacionado
aos fatores de reprodução e à necessidade de garantia de paternidade (Ramos, 2000).
Para prolongar os efeitos do amor e maximizar a
permanência do parceiro e dos seus recursos para o relacionamento, segundo a
teoria evolutiva, homens e mulheres desenvolveram diferentes estratégias
adaptativas para lidarem com a questão da infidelidade. Quanto às origens do
ciúme, Buss (2000) explica que apesar de suas manifestações potencialmente
perigosas ele teve um imprescindível valor adaptativo. Em épocas remotas, onde
homens e mulheres dependiam exclusivamente uns dos outros para a sobrevivência,
o ciúme atendia esta função de manutenção do relacionamento estabelecido. Por
meio dele, homens ciumentos preservariam com uma maior probabilidade seus
valiosos engajamentos tentando se assegurar que os filhos daquela relação eram
de fato seus, garantindo assim a sua linhagem genética. No que diz respeito às
mulheres, o ciúme seria um importante fator diferencial que lhes poderia
assegurar um mantenedor para si e para sua prole. Segundo este raciocínio, a
infidelidade representa com isso o desvio parcial de valiosos recursos.
Naturalmente, estes mecanismos eram, e ainda o são, inconscientes para ambos os
sexos. E diferentemente do que se pensa, homens e mulheres são eqüitativamente
ciumentos, apenas diferindo, como dito anteriormente, na forma como ele se manifesta
para os dois gêneros[3]
(Buss, 2000; White & Mullen, 1989).
Atualmente, as condições de vida são bastante
diferentes, principalmente quando comparadas com épocas ancestrais, e assim, as
mulheres teoricamente não dependem dos recursos trazidos pelos homens, e
conseqüentemente, uma mulher quando na condição de mãe solteira, não
necessariamente está mais desamparada. Porém, como nossos cérebros são muito
semelhantes aos dos nossos ancestrais, para os quais o ciúme foi uma
característica evolutivamente adaptada, dentre outros mecanismos para
assegurarem sua sobrevivência, nós ainda de certa forma, responderíamos como
que instintivamente a alguns mesmos controles biológicos.
Consoante
Ramos e Calegaro (2001), os seres humanos, homens e mulheres, desenvolveram
diferentes estratégias para lidar com o problema da sobrevivência e da
reprodução. Os homens, para se certificarem de que os filhos gerados em um
relacionamento são verdadeiramente seus (o que tem conseqüências substanciais
para sua auto-estima), têm o seu ciúme motivado pela suspeita de infidelidade
sexual de sua mulher (Mullen & Martin, 1994). Ainda segundo Ramos e
Calegaro (2001), as mulheres, diante do temor de que o companheiro possa se
envolver emocionalmente com uma rival a ponto de dirigir seus investimentos
materiais, afetivos e financeiros para esta pessoa, desenvolveram o ciúme como
uma resposta apropriada para a manutenção deste relacionamento. Em outras
palavras, em relação aos homens, a mulher ao longo do tempo aprendeu a
desenvolver um ciúme mais emocional do que sexual.
Para
entender melhor tudo isso, deve-se levar em consideração que os homens são
capazes de inseminar inúmeras parceiras em curtos períodos. Entretanto, as
mulheres são capazes de ter apenas poucos descendentes e assim, a maternidade
pode ser considerada um dom, uma coisa rara do ponto de vista evolutivo, algo
muito mais valioso que uma poupança dada a sua relação custo-benefício,
sobretudo, para aquelas épocas ancestrais (Desteno, Bartlett, Braverman &
Salovey, 2002). A idéia implicada aqui é a de fitness. Fitness refere-se
à probabilidade de transmissão bem sucedida de material genético para gerações
bem sucedidas e é conseqüentemente definida como fazer surgir descendência em
idade sexual maturativa (Daly & Wilson, 1983; Dawkins, 1976).
A etologia afirma que o ciúme é um
sentimento universal, e sua existência pode ser constatada nos mais diferentes
povos e raças (Buss, 2000). Apesar das diferenças na sua forma de manifestação,
essa universalidade sugere um componente genético. Dessa forma, alguns autores abordam o ciúme do ponto de vista
evolutivo e dizem que ele é uma manifestação biológica inata, que tem a função
de garantir a propagação dos genes e, conseqüentemente, a perpetuação da
espécie, um provedor para a prole, no caso do gênero feminino, e, sobretudo, a
garantia da paternidade para o gênero masculino (Buss, 1988, 2000; Buss, Angleitner,
Oubaid & Buss, 1996; Buss, Larsen & Westen, 1996; Buss, Larsen, Westen
& Semmelroth, 1992; Buss & Shackelford, 1997; Fisher, 1995; 2006).
Apesar de suas formas de manifestação serem até certo ponto
idiossincráticas, não existe uma cultura na qual os indivíduos são desprovidos
dos mais diversos tipos e graus de ciúme. Por exemplo, até mesmo entre os
esquimós Ammassalik, da Groenlândia, considerada uma cultura sem ciúme, não é
incomum que o marido mate o intruso que dorme com sua mulher (Buss, 2000). Um
outro caso interessante a ser analisado é o da cultura islamita. No
Islamismo, a poligamia é permitida. O homem pode se casar com até quatro
mulheres, com a condição de que dê atenção igual a cada uma delas, o que sugere
que há ciúme manifestado entre as parceiras. Contudo, é fato que, mesmo com a
possibilidade de ter várias esposas, os homens não deixam de ter relações
extraconjugais.
Algumas teorias de cunho sociológico e
antropológico têm tentado desvendar uma origem cultural para o ciúme (Achté & Schakir, 1985; Bers & Rodin,
1984; Hupka, 1981; 1991; Hupka & Bank, 1996; Salovey &
Rodin, 1984; Shweder & Haidt, 2000). Os argumentos mais comuns colocam as raízes do ciúme no
capitalismo e na cobiça, afirmando que a busca por possuir bens materiais se
estende a possuir outras pessoas. Se assim fosse, segundo Buss (2000),
sociedades que vivenciam ou vivenciaram uma tentativa de socialismo experimentariam
um declínio exponencial no ciúme, o que não ocorreu. Ainda segundo Buss (2000),
também existe a tentativa de se interpretar o ciúme como uma falha de caráter,
ou ainda, uma patologia produzida pela baixa auto-estima e imaturidade. Se os
traços de personalidade originassem o ciúme, então, a simples mudança desses,
deveria eliminá-lo. Conclui-se, portanto, que a universalidade do ciúme se
explica por ele ser um produto evolutivo na interação entre os gêneros
(filogenético), e não somente por ser um produto cultural (ontogenético), ou
seja, para a sua configuração somam-se os componentes biológicos e
culturais.
2.2.2. O ciúme enquanto um complexo
cognitivo-comportamental.
Ao falar do ciúme, Barthes (1981) discorre sobre as
ambigüidades vivenciadas pelas pessoas que por ele são afetadas. Por sua linha
de raciocínio, percebe-se que o ciumento é ridicularizado e que, portanto, não
é desejável. Pode-se inferir que o ciúme provoca sofrimento ao outro parceiro e
mesmo assim, o ciúme corrói cada pessoa que o sente interiormente, ou seja,
"sabe-se" uma coisa e "sente-se" outra, e muitas vezes não
há uma correspondência do dizer-fazer. O racional duela com o emocional, de tal
forma que ninguém pode saber ao certo quem ganhará e nem se pode torcer, a
priori, por um deles.
Vamos agora partir para caracterizar tal complexo
enquanto um fenômeno comportamental e cognitivo-sentimental. Como vimos com
relação às definições dadas pela diversidade de teóricos estudados, as
concepções de ciúme são diversas, porém uma mesma tríade conceitual as une:
1) ser uma
reação frente a uma ameaça percebida;
2) haver
um rival real ou imaginário e;
3) a
reação visa diminuir, ou ainda, eliminar os riscos da perda do objeto
amado.
Ramos
(2000) aponta que há diferentes posições quanto a conceber o ciúme como uma
combinação de outras emoções básicas, ou mesmo como uma categoria própria.
Ferreira-Santos (1998) também ressalta que devido às múltiplas manifestações de
ciúme por pessoas, e mesmo por objetos, fica muito difícil compreender a origem
destas situações. Além disso, cada pessoa pode exprimir o seu ciúme de uma
forma peculiar, ou seja, o vivencia do seu próprio jeito, dado que os
evocadores, as reações, os sentimentos e as conseqüências são muito semelhantes
para as pessoas ou grupos de pessoas.
De
qualquer forma, uma reação somente é rotulada como ciúme se quem a experimenta
possuir um relacionamento valorizado e, em seu entendimento, perceber que este
vínculo está sendo ameaçado pela interferência de uma terceira pessoa, esta
identificada como rival, independentemente do fato desta percepção ser baseada
em fatos reais ou imaginários. “É, portanto, necessária a identificação da
ameaça” (Ramos, 2000, p. 63). Berscheid e Fei (1998) complementam a discussão
sobre a essência do ciúme ao concebê-lo enquanto relacionado a uma alta
dependência do parceiro, todavia com uma alta insegurança a respeito de si
mesmo, do parceiro e do próprio relacionamento.
Alguns
autores como Clanton & Smith (1998) Tooby & Cosmides (1990) e White
(1980; 1981a) citam possíveis preditores para o ciúme, tal como as diferenças
na desejabilidade entre os parceiros (podem deixar em estado de alerta para uma
possível infidelidade do(a) parceiro(a). Isto é, se alguém se sente inferior ao
parceiro num relacionamento amoroso isto pode ser responsável pela
hipervigilância em relação ao parceiro considerado mais desejável. Buss (2000),
Waster, Traupmann e Walster (1978) e Walster, Walster e Berscheid (1978) argumentam que o parceiro mais desejável do
casal é na verdade o mais propenso a se desgarrar, o que em partes justificaria
o ciúme do outro parceiro. Esta hipótese também será testada pelo presente estudo.
2.2.3 Ciúme, possessão e a questão da profecia
auto-realizadora.
No
que tange a avaliação do ciúme pela literatura científica (e.g.
Albisetti, 1994; Botura, 1996; Buunk, 1991; Cavalcante, 1997; Clanton &
Smith, 1977; Gikovate, 1998; Ferreira-Santos, 1998; Lazarus, 1993; Mathes,
1992; McIntosh & Tangri, 1989; dentre outros) e pelo senso comum, percebe-se
que na análise da literatura acadêmica, há a predominância da conceituação do
ciúme enquanto uma relação afetiva negativa frente a uma ameaça ao
relacionamento amoroso valorizado. De modo especial, Montreynaud é enfático ao
dizer: “o ciúmes não é prova de amor, mas sinal de imaturidade” (Montreynaud,
1994, p. 40).
Em
contrapartida, para as pessoas comuns, como atestam os estudos de Mullen &
Martin (1994), há uma relação estreita entre o amor verdadeiro e o ciúme. Mesmo
para outros teóricos tais como Ferreira-Santos (1998), Leonel (1993), Mathes
(1991), Pittman (1994), Salazar, Couto, Gonçalves e Pereira (1996) e White e
Mullen (1989), há a possibilidade de haver algum aspecto neutro, ou ainda
positivo no ciúme, no sentido dele acarretar a aproximação do casal, como uma
profícua estratégia de se lidar com uma situação ameaçadora. Entretanto, tal
visão carece de uma maior fundamentação empírica. Para o senso comum, e,
sobretudo, para a cultura brasileira, percebe-se a manutenção de um ambiente
favorável às atitudes ciumentas. Isto é, os parceiros se vêem na obrigação de
demonstrar ciúme como prova de amor (Ferreira-Santos, 1998). Os discursos
apologéticos que são feitos para justificar as atitudes ciumentas no Brasil,
segundo Goldenberg (2006), ainda podem estar relacionados de algumas mulheres
perceberem como humilhante conviver com a solidão, ou ainda, estarem
desprotegidas economicamente. Ainda, para Ferreira-Santos (1998), existe uma
grande confusão entre ciúme e zelo, este sim, um sentimento que comprovaria o
amor. Na verdade, pouco se sabe sobre experiências e comportamentos associados
ao ciúme na população geral, mas num estudo populacional, todos os
entrevistados (100%) responderam positivamente quando perguntados se já
sentiram ciúme, embora menos de 10% reconheceu que este sentimento acarretava
problemas no relacionamento (Mullen & Martin, 1994).
Na vida real, é sabido que muitos dos nossos
comportamentos são largamente influenciados, e até mesmo governados por normas
e/ou expectativas que funcionam como diretrizes para que as pessoas se
comportem de determinada maneira em certa situação. Ao se refletir sobre
expectativas que conduzem ao comportamento pensa-se logo em profecias
auto-realizadoras. Estas profecias são, em resumo, definidas como crenças
capazes de exercer influência sobre aqueles que nelas crêem: as pessoas mudam
de atitude e se engajam em comportamentos que aumentam as chances de ocorrer
aquilo que crê ou teme (Allport, 1950; Brophy, 1983; Copeland, 1994; Murray,
Holmes & Griffin, 1996 a e b; Snyder, 1984). Então, seria possível
considerar o ciúme como uma profecia auto-realizadora aos moldes do que
Rosenthal & Jacobson (1968; 1982), ou mesmo que Merton (1948) conceberam?
Será, então, que se é possível sugerir que o ciúme funciona como uma profecia
auto-realizadora que produz a perda da qualidade nas relações amorosas, ou
mesmo responsável, em fases ulteriores, pela ruptura das mesmas, induzindo os
parceiros a se engajarem em comportamentos infiéis? O ciúme pode ser pensado em
termos de uma profecia auto-realizadora preditora de perda da qualidade nas
relações amorosas, ou mesmo responsável, em fases ulteriores, pela ruptura das
mesmas, induzindo os parceiros a se engajarem em comportamentos infiéis?
Infelizmente, até o presente momento não há qualquer estudo que tenha se
ocupado em tematizar tal associação. Tendo como base esta linha de
argumentação, este estudo, também, procurará verificar tal associação entre o
ciúme romântico e a infidelidade amorosa.
2.2.4.
Ciúme, amor,
infidelidade e gênero.
Os resultados das pesquisas acerca do ciúme não evidenciam
claramente que haja diferenças entre homens e mulheres (Desteno & Salovey,
1996; Harris, 2002, 2003; 2005; Hawkins,
1987; Sagarin, 2005; Shackelford, Buss & Bennett,
2002), e há pouco consenso entre os autores, que evidenciam que a mulher,
freqüentemente, apresenta mais intensamente ciúme em comparação ao homem.
Todavia Buss (2000) nos sugere que
homens e mulheres são igualmente ciumentos, mas os eventos desencadeadores de
ciúme para cada um é que são diferentes: os homens ancestrais tinham um custo
elevado com a paternidade, isso porque caso houvesse infidelidade por parte da
mulher, eles se arriscariam a desperdiçar tempo, energia e outros investimentos
enquanto a cortejaram. Também teriam perdido oportunidades com outras mulheres
enquanto se dedicavam a apenas uma, além do esforço materno que teria sido
desviado para a prole de um rival, e, principalmente, se arriscariam a dedicar
cuidados paternos a essa prole, julgando erroneamente ser sua.
E se o homem ancestral fazia um grande
investimento ao aderir a um relacionamento amoroso, a mulher fazia um
investimento ainda maior com a maternidade, uma vez que cada gravidez durava
nove meses. Além disso, se arriscar a perder o investimento ou uma parte do
investimento do parceiro que desviasse seus “recursos” à outra mulher (com quem
ele tivesse um caso). Isto poderia ser extremamente danoso, pois esse desvio
ocorreria à custa da sobrevivência dela e de seus filhos. Isso era muito mais
grave, se forem consideradas as épocas ancestrais de frio, estiagem, escassez
de alimentos, onde as possibilidades de sobrevivência eram baixas. Para a
mulher o indicador mais confiável do desvio de investimento não seria o homem
ter sexo com outra mulher, mas ele ter envolvimento emocional com ela. O
envolvimento emocional poderia servir para avaliar a qualidade do compromisso.
Para as mulheres a posse dos seus homens é ameaçada por rivais que corporificam
o que os homens querem.
Ainda, ao
se discorrer sobre a temática do ciúme é necessário lembrar que para alguns
teóricos, como DeSteno & Salovey, 1996 e Harris & Christenfeld, 1996(a
e b), pelo menos na cultura ocidental, a infidelidade sexual tem diferentes
conotações para homens e mulheres. Como o amor geralmente é um pré-requisito
para o envolvimento de uma mulher em um relacionamento sexual, isto faz com que
se imagine que a infidelidade sexual feminina esteja associada com o
envolvimento emocional com outro parceiro (DeSteno & Salovey, 1996).
Todavia, consoante Sheets e Wolfe (2001), a infidelidade masculina não tem tal
implicação porque os homens têm mais condições de praticar sexo sem amor.
De todas as
características que são pesquisadas no que diz respeito à infidelidade, o
gênero parece ser o mais consistente dos fatores que predizem: os homens como
os que traem mais (Buss & Shackelford, 1997). E mesmo entre homens que têm
casos, em relação às mulheres que também os têm, os homens as superam em termos
de quantidade (Lawson, 1988).
2.2.5.
Ciúme e a discussão
Nature X Nurture.
Outra dúvida suscitada pela temática abordada é a de
que se o ciúme é inato ou aprendido. Buunk, Angleitner, Oubaid e Buss (1996),
Geary, Rumsey, Bow-Thomas e Hoard (1995) e Wiederman e Kendall (1999) acreditam
que seja inato, embora as suas manifestações específicas sejam aprendidas. A
cultura aqui desempenharia um papel fundamental por modelar as diversas
representações do ciúme.
Uma visão que se quer apontar ao discutir se é o
ciúme inato ou aprendido, benéfico ou danoso aos relacionamentos amorosos, é a
de que ele é fundamentalmente egoísta à medida que leva o(a) seu(sua)
possuidor(a) a agir visando com isso tolher os direitos da pessoa a ela
vinculada. Isto é, quando o ciúme se manifesta, não visa proteger o outro, como
erroneamente costuma se pensar, e sim se preservar a si mesmo de futuras
preocupações que lhe sejam custosas no investimento amoroso realizado. O que
mascara esta constatação é o fato de pensar que o ciúme é exercido em nome do
amor e de uma “altruística” preocupação com o bem estar do outro de forma que per
se parece autorizar a interferir sobre o destino do(a) parceiro(a).
2.2.6. Cultura e patologias relacionadas ao
ciúme.
E dado o seu polimorfsmo, percebe-se que o ciúme exibe as características de cada época, de cada cultura, o que torna difícil diagnosticá-lo como uma doença, por não ter um padrão fixo para se revelar. E um dos pontos mais notáveis no que diz respeito ao ciúme, e mesmo no que diz respeito à infidelidade é que eles estão presentes em todas as culturas e em todas as épocas. Todavia, consoante Ferreira-Santos (1998), o sofrimento é o que fundamenta e anuncia quando o ciúme deixa de estar no limite da normalidade e avança causando mal-estar, repetindo-se obsessivamente e compulsivamente, até que provavelmente, arruíne a vida das partes envolvidas. Muitos dos que se relacionam amorosamente não pensam nos desdobramentos do amor como um possível aparecimento do ciúme. Muitas vezes, a dor, acompanhada de um inerente sofrimento para ambas, ou ao menos uma das partes envolvidas poderiam pensar os etólogos, não invalida suas funções positivas para a sobrevivência. Principalmente, no contexto brasileiro, muitos dos que são objeto de um ciúme, dependendo do grau e de acordo com seus históricos de vida, sentem-se lisonjeados em granjear este tipo de atenção para elas mesmas (Ferreira-Santos, 1998). Contudo, não devemos deixar escamotear a nossa percepção e deixar passar despercebido o número de caso de violência doméstica, crimes passionais, dentre outros fatos comentados pelos noticiários diários, ou mesmo citados e estudados pela literatura científica, (Daly & Wilson, 1988; , Mullen, 1996). O Ciúme Patológico pode até motivar homicídios, e muitas dessas pessoas sequer chegam aos serviços médicos (Shepherd, 1961). Para Palermo et al (1997), a maioria dos homicídios seguidos de suicídio são crimes de paixão, ou seja, relacionados a idéias delirantes de ciúme intenso ou excessivo (Palermo et al, 1997). São, geralmente, crimes cometidos por homens (mas, isso não exclui as mulheres do problema) com algum problema psicológico, desde transtornos de personalidade, alcoolismo, drogas, depressão, obsessão, até a franca esquizofrenia. Desta forma, pode-se inferir que são os excessos e estes, desequilíbrios, por exemplo, aliados ao ciúme é que causam as nefastas conseqüências para os relacionamentos amorosos e não o ciúme em si.
[1] Esta referência pode ser encontrada em qualquer versão do texto bíblico no livro Cântico dos Cânticos 8, versículo 6.
[2] Extraído do site http://www.proverbes-citations.com/larochefoucauld.htm, em 30 de abril de 2006.
[3] Contudo, para as relações
românticas de natureza homossexual os resultados apresentam-se de forma inversa
comparados aos achados em relacionamentos heterossexuais ainda que experimentem
níveis de ciúme similares aos dos heterossexuais. Lésbicas sentem como mais
aflitiva a infidelidade sexual, ao passo que os homossexuais masculinos padecem
emocionalmente mais quando imaginam que o parceiro pode estar comprometido
afetivamente com outra pessoa (Bailey, Gaulin, Agyei & Gladue, 1994;
Bringle, 1995 b; Sheets &
Wolfe, 2001).