SAÚDE MENTAL INFANTIL

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CARTA DE UMA MÃE



Maria Amélia Vampré Xavier

Publicado em 11 de março de 2008


Oi, queridos amigos

É, é verdadeiro o ditado que diz que ninguém nos critica quando estamos no anonimato; basta subirmos um pouco na escala social, termos posições de relevo e, pronto, as críticas são inúmeras. Todos têm que se conformar com isso, faz parte da vida, e quem exerce função pública sabe disso muito bem.

Pertenço ao grupo antigo das mães "pioneiras, desbravadoras" de meio século atrás. Vivenciei com meu filho Ricardo, então com 1, 2, 3, 4 anos, até fundarmos a APAE SP, como era o chamado modelo "médico". Pais e mães eram considerados neuróticos, incapazes de emitir um pensamento sensato diante daquela infelicidade total que lhes acontecera: nascera na família um filho com deficiência mental/intelectual, a mais temida das deficiências e com certa razão. Ninguém nos ouvia, os médicos eram donos da verdade, eles sabiam como fazer para "reabilitar"o paciente e, outro termo da época,
"habilitar nossos filhos para que fizessem alguma coisa de útil." Quanto a nossas dores físicas e morais, nosso luto interno, nosso desespero e revolta contra Deus contra tudo pois não conseguíamos aceitar de cara as
dificuldades que nos aconteceram, não havia nenhuma palavra de apoio e olha que nossos médicos da época eram bons. Eles não sabiam lutar com a nossa natural tristeza e sentimento de abandono, de baixa auto estima.

As décadas se passaram celeremente como passa o tempo e a coisa foi mudando devagar.

Lá pelo início da década de setenta surgiu a chamada "New Voice" nos países mais adiantados, ou seja, pessoas que tinham sido sempre desvalorizadas,
ficaram excluídas da educação, ousavam erguer a voz e dizer: "somos gente, estamos aqui, queremos ser respeitados como todo mundo quer". Aí foi introduzido na maioria dos países o vocábulo 'pessoa´ tão importante, tão cheio de dignidade. Mesmo assim as pessoas com deficiências continuavam a ser excluídas, alvo de zombaria, de muito medo, até hoje 2008 encontro gente
que me diz quando percebe que estou pronta a falar de deficiência que têm MEDO de pessoas com deficiência, especialmente a intelectual, não sabem como
agir diante delas...

Os preconceitos e desconhecimento do caráter digno e correto das pessoas com def.intelectual em geral continuam e são profundamente arraigados num país
como o nosso em que o cuidado e a atenção para as necessidades das pessoas com deficiência partiam de alguns cidadãos e cidadãs bem intencionados, de
espírito fraterno. Posicionamento firme dos governos em defesa do direito de existirem pessoas com deficiência - isso nem falar.

Falando, claro, na primeira pessoa, acho perigoso e inadequado colocarmos em cargos públicos pessoas que são profissionais médicas malgrado a extensão de
seu conhecimento científico e suas inúmeras qualidades humanas. Lembro-me do ano 1991 quando estivemos em Fortaleza no Palácio, em visita ao então governador do Ceará, o Ciro Gomes. Ele recebeu em Palácio a diretoria da Federação Nacional das APAEs, da qual eu fazia parte e me disse: "se eu fosse mais do que um simples governador nunca escolheria um funcionário público por mais graduado que fosse para fazer o que vocês, pais, fazem tão bem, lutar devotadamente por seus filhos. Fui tesoureiro da APAE de Sobral (cidade adiantada do Ceará) e acompanhei o trabalho de vocês, pais, com
tantas dificuldades materiais e com tanta coragem e desprendimento no coração. Não, definitivamente, não há substituto para pais dedicados."

No mundo todo isso ocorre; tanto assim que a Organização Mundial da Saúde que durante decênios encampou o modelo médico como é natural acabou fazendo uma conferência sobre direitos de pessoas com deficiência em Montreal, Canadá, em outubro de 2004, com a presença de 25 pais da América Latina, entre os quais estava eu que nada entendo de medicina ou de qualquer outra ciência mas fui convidada como autoridade" em deficiência intelectual pelo meu trabalho incansável pelas 650 milhões de pessoas com alguma deficiência que existem no mundo. Não somente eu, pais e mães da Argentina, do Chile, do Peru, do México, do Brasil somente o dr. Francisco B.Assumpção Jr. como
psiquiatra e eu como mãe de um moço com múltiplas deficiências, sequelas de
spina bífida, com grave deficiência intelectual. Todos fomos convidados pela OMS como "especialistas" pois a grande entidade mundial declarou que "rendia homenagens aos pais em todos os países que dedicavam o melhor de seu tempo a pessoas com deficiências como seus filhos."

Não quero dizer aqui que somente "pais"podem assumir cargos públicos mas ficou comprovado desde o tempo do saudoso presidente John Kennedy, dos Estados Unidos, que um pai ou mãe em posição de relevo tem feito a questão das deficiências avançar decênios.

Tudo isso por causa de que? foi implantada uma Secretaria de Direitos das Pessoas com Deficiência e o que quero e todos que militam na área querem é que o chamado modelo médico seja substituído pelo modelo de atuação que existe no mundo todo hoje: "o modelo cidadão, onde toda e qualquer pessoa, tenha ou não limitações, deve ser tratada com respeito e dignidade." O meu voto sincero é que os ocupantes desse novo cargo façam um trabalho aberto, abrangente, extensivo à comunidade, e não se atenham a meras questões de
reabilitação física que são importantíssimas mas com certeza não são tudo que tem de ser feito para o Brasil, um dia, poder orgulhar-se de fato dos serviços que presta a pessoas com deficiências de qualquer tipo.

Esta é apenas a opinião de uma mãe idosa, de uma mãe eleitora, de uma mãe atenta ao panorama mundial, sonhando com uma sociedade DE FATO aberta a nossos filhos com tantas limitações e com tão espetaculares atributos de dignidade e força de caráter.

Maria Amelia Vampré Xavier

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