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Professor que descobriu autismo adulto cria coletivo que já detectou 52 outros casos na Unicamp

Por: Folha de São Paulo

8 de fevereiro de 2022

Professor que descobriu autismo adulto cria coletivo que já detectou 52 outros casos na Unicamp

A partir do diagnóstico de autismo, há pouco mais de um ano, o bacharel em direito e professor Guilherme de Almeida, 39, decidiu ajudar adultos que suspeitam ter a mesma condição que ele, especialmente aqueles que enfrentam dificuldades no ensino superior.

Para isso ele criou, em julho de 2021, o CAUCamp (Coletivo Autista da Unicamp), grupo que encaminha essas pessoas a especialistas que cobram valores mais acessíveis em suas consultas.

O coletivo da Universidade Estadual de Campinas não recebe ajuda financeira, apenas voluntários colaboram, segundo ele, que cursa doutorado na Unicamp. São pessoas que acreditam na causa da inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior. E a ideia de Almeida, que já atuou como funcionário público em Curitiba (PR) e em Jundiaí (SP), é ampliar essa assistência.

"Nem sempre conseguimos oferecer custo zero, mas, nesses casos, buscamos encaminhamento a profissionais que atendam por valores sociais", afirma Almeida, professor de educação e direitos humanos, atualmente se dedicando exclusivamente ao doutorado.

Uma consulta, que pode chegar a R$ 250, saí por R$ 50, em média, com a indicação do coletivo, explica o professor. O CAUCamp conta ainda com perfis no Instagram e no Facebook para troca de informações sobre o autismo.

​Ele afirma que entre julho e outubro do ano passado, o coletivo já identificou 52 pessoas dentro da Unicamp com diagnóstico de autismo entre alunos, docentes e funcionários, após o envio de um questionário para mapear essas pessoas no ambiente acadêmico e descobrir suas demandas.

Tudo isso com a orientação do psicólogo Mayck Hartwig, especializado em TEA (Transtorno do Espectro Autista) em adultos. Outros 70 casos estão em investigação.

"No primeiro dia, recebemos quase 70 formulários. Muitos traziam a história de cada pessoa e dúvidas se parentes eram autistas. Outros relatavam questões familiares e de relacionamento, indicando as razões pelas quais acreditavam estar no espectro", afirma o coordenador do CAUCamp.

Com o coletivo, Almeida diz que objetiva —não exclusivamente— universitários que possam apresentar dificuldades ao longo do curso. ​"Queremos trabalhar para que as pessoas consigam terminar suas graduações ou especializações e trabalhar nas áreas a que se dedicaram na universidade." ​

Ele declara que também recebe pacientes de outras idades, uns até com mais de 60 anos. "É um público diverso e que não recebe acompanhamento de forma sistematizada. É esse vácuo que tentamos preencher."

Mestre e doutorando em educação pela Unicamp, Almeida conta que sofreu, ao longo da vida, com diagnósticos incorretos. Aos sete anos, teve a indicação de depressão, já que chorava muito e sofria com insônia constante. Além disso, ele afirma que tinha dificuldade de se relacionar com crianças e adultos.

"Mas isso não era detectado. O autismo ainda é relacionado com deficiência intelectual. E eu era considerado inteligente", afirma. "Aí costumava ouvir que gente inteligente é estranha, não é sociável, é mais introspectivo. Quando tudo isso, na verdade, faz parte de uma mitologia que não tem amparo nenhum."

O professor relata que teve uma crise mais complexa aos 12 anos. Naquele momento, ele passou por grandes mudanças: escola nova e o divórcio dos pais. "Colapsei. Não falava mais, não ia ao banheiro sozinho, não me alimentava sozinho, não me vestia sozinho."

Mesmo assim, ele permaneceu com diagnóstico de depressão e ali, com medicamento usado para reduzir a tensão e a ansiedade, começou sua saga de duas décadas de medicações. "Tomei vários remédios para equilibrar minha suposta depressão crônica, mas minha condição permanecia. O sofrimento era enorme."

As dificuldades durante a fase escolar, onde se sentia excluído, passaram a ser questões complexas, também na vida acadêmica. Ele relata ter sensibilidade a barulhos, especialmente durante as aulas, e que chegou a tentar suicídio em 2015, antes de compreender o que passava com ele. Por isso, ele afirma que o diagnóstico precoce é fundamental.

O doutorando revela que finalmente recebeu seu laudo conclusivo após quase um ano fazendo avaliações. "Foi um divisor na minha vida. Quando entendi o que acontecia comigo, ganhei ferramentas para conquistar equilíbrio, tranquilidade e não sofrer mais. Cheguei a ter dúvidas se tornaria esse diagnóstico público, mas não quis ficar nesse armário."

Apoio relevante

De acordo com o psicólogo Hartwig, o diagnóstico de TEA contribui para a tomada de decisão clínica mais assertiva, garante à pessoa autista o acesso aos seus direitos e, ainda, pode amortecer a depressão. "Isso ajuda os adultos autistas a compreender suas dificuldades e buscar apoio relevante de serviços educacionais, de saúde ou sociais."

Hartwig explica que adultos autistas diagnosticados tardiamente costumam relatar estresse de longa data em relação ao isolamento social, bullying, exclusão e a percepção de que são diferentes, o que torna necessária a assistência psicológica e psiquiátrica pós-diagnóstica.

O divulgador científico Bruno de Sousa Moraes, 31, sentiu isso na pele. Ele teve sua condição confirmada em julho de 2021, mesmo mês em que conheceu o CAUCamp. Ele conta que sofria bullying na escola quando era mais jovem e, após o diagnóstico de uma amiga, em 2021, decidiu estudar mais sobre o tema, já que via muitas similaridades com ela.

Sem encontrar um coletivo que pudesse ajudá-lo na época, ele buscou ajuda com médico particular, já que seu plano de saúde também não oferece especialistas em autismo em adultos.

O divulgador científico afirma que estava sem emprego na época e, por isso, conseguiu um desconto pelo diagnóstico (que leva meses), e pagou R$ 800. Mas ele diz que a média de preço nas clínicas é de até R$ 2.100. "Com isso, já cheguei ao coletivo sabendo ser autista", diz.

Mas Moraes reforça a importância de estar em um grupo que compreende seus anseios. "Trouxe a sensação de reconhecimento, visibilidade e autoestima. É preciso que exista um espaço que acolha autistas que entram numa universidade, por exemplo", afirma Moraes, que pretende cursar mais cursos dentro da Unicamp, com o apoio do coletivo.

Erica Araújo Constanini , psicóloga especialista em TEA, trabalha em parceria com o CAUCamp atendendo a preços populares os pacientes enviados pelo coletivo. "Tenho visto recentemente cada vez mais casos de adultos que se descobrem autistas após avaliação de seus filhos", afirma a especialista.

De acordo com a escritora Andrea Werner —mãe de Theo, 13, que é autista, e autora do livro "Lagarta Vira Pupa: A vida e os Aprendizados ao Lado de um Lindo Garotinho Autista"—, o diagnóstico até os três anos é importante, porque existe uma janela de desenvolvimento do bebê até essa idade, quando ainda há uma plasticidade cerebral da criança.

"É possível ensinar muitas habilidades que a criança não aprenderia sozinha por causa do autismo. Então é possível minimizar esses atrasos que a criança pode ter", afirma. "Hoje vemos adultos sendo diagnosticados, muitas vezes, após seus filhos."

A Unicamp informou que oferece oficialmente assistência psicológica e psiquiátrica aos alunos por meio do Sappe (Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante), além de assistência psicopedagógica e de orientação de carreira para todos os alunos por meio do SAE (Serviço de Apoio ao Estudante).

"É uma grande responsabilidade fornecer diagnóstico de PCD [pessoa com deficiência] e isso deve ser feito de maneira a garantir, de forma igualitária, acesso a metodologias de avaliação adequadas, padronizadas e validadas por profissionais bem treinados em locais de referência", afirma Tânia Vichi Freire de Mello, coordenadora do serviço na universidade, que está desenvolvendo protocolos para acesso, avaliação e tratamento com a participação do CAUCamp.

Estimativa da ONU é que existam 70 milhões de pessoas dentro do espectro autista no mundo, 1% da população, sendo que a maior incidência é em homens.

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/02/professor-que-descobriu-autismo-adulto-cria-coletivo-que-ja-detectou-52-outros-casos-na-unicamp.shtml

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