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Padre proíbe casamento de deficientes

Por: Ricardo Muniz e Clarissa Thomé - O Estado de São P

27 de março de 2007

Padre proíbe casamento de deficientes

Religioso de Niterói recorreu ao Código de Direito Canônico, alegando que o casal pode não ter condição de procriar

Ricardo Muniz e Clarissa Thomé, RIO

A psicóloga Eda Lúcia Damásio de Araújo, de 63 anos, entra hoje com representação no Ministério Público Estadual do Rio contra o padre João Pedro Stawicki, que se recusou a realizar o casamento do seu filho, Pablo Damásio de Araújo, de 33 anos, com Cláudia Araújo Vianna, de 32. Pablo tem paralisia cerebral e Cláudia, déficit de aprendizado.

Pablo e Cláudia moravam juntos havia dois anos, quando decidiram casar-se no religioso. Eles procuraram a Paróquia de São Sebastião de Itaipu, na Região Oceânica de Niterói, Grande Rio, fizeram curso de noivos e marcaram a cerimônia para 9 de dezembro de 2006. Um mês antes, quando Pablo esteve na igreja para pagar a taxa de R$ 170, foi surpreendido com a informação de que o padre não faria a cerimônia.

“O padre simplesmente devolveu a documentação e alegou que a moça era evangélica. Na verdade, na entrevista preliminar, a Cláudia contou que, quando criança, freqüentou cultos com uma tia. Mas nunca foi evangélica”, contou a psicóloga. Eda foi à igreja conversar com Stawicki. “Ele mostrou o Código de Direito Canônico e disse que segundo a lei, a Igreja não dá o sacramento para incapazes de procriar.” A decisão foi um choque para o casal. “Nós ficamos muito tristes. Estamos juntos há cinco anos. Queríamos um casamento no religioso”, contou Cláudia.

A paralisia cerebral afetou a fala de Pablo, mas não o impediu de trabalhar em empresas como Carrefour e Lojas Americanas. Ele também é pintor e atleta da Associação Niteroiense de Deficientes Físicos (Andef). Cláudia foi funcionária por oito anos de uma cooperativa que presta serviços ao Banco do Brasil. “O padre disse que se ele fosse surdo-mudo até poderia fazer o casamento”, lembra Cláudia. “Mas eu falo”, completa Pablo.

O casal acabou realizando uma cerimônia na sede da Andef na data prevista. Um amigo da família, de religião espírita, deu a bênção aos noivos. Cláudia fez questão de entregar o buquê para uma amiga, deficiente física. “Ao contrário do que disseram, podemos ter filhos. E vamos cuidar bem deles”, disse Cláudia. “A deficiência do Pablo é motora, apenas. E a de Cláudia não é genética. E mesmo que meu neto fosse deficiente, seria muito bem-vindo”, afirmou Eda.

A psicóloga enviou uma carta à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Recebeu um pedido de desculpas e foi orientada a procurar a Arquidiocese de Niterói. Enviou duas cartas ao arcebispo d. Alano Maria. Nunca obteve respostas. Decidiu, então, processar o padre. “É uma questão educativa. Não quero que isso se repita com outras pessoas”, afirmou Eda. D. Alano não quis se pronunciar sobre o caso. A Assessoria de Imprensa da arquidiocese informou que “dificilmente” a decisão de Stawicki será revista. “Ao nosso ver o casal não tem condições de assumir matrimônio. São portadores de deficiência mental e certamente não se responsabilizam por eles mesmos”, afirmou o assessor de Imprensa Cláudio Muniz.

Ele lembrou que o principal objetivo do casamento é a procriação. “Não sabemos se eles têm condições de ter filhos ou até mesmo de cuidar de uma criança”, afirmou Muniz. O padre Stawicki não foi encontrado.

NORMAS MAIS SEVERAS

Especialista em direito de família, o advogado Sergio Fisher explica que o Código Civil impede o matrimônio se um dos noivos não tem capacidade de discernimento. “Mas se eles trabalham, têm independência, não vejo nenhum impedimento.” Ele lembra, porém, que o Código Canônico é mais severo que o civil.

“Você estigmatiza o deficiente quando presume que seu estado é sinônimo de ausência total de discernimento”, diz Fábio Bechara, diretor-presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e promotor de Justiça do Estado de São Paulo. “O que vai determinar o grau de discernimento é o histórico de vida de cada um.”

Edson Luiz Sampel, mestre em Direito Canônico pela Universidade Lateranense de Roma e juiz do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo, aponta duas normas do Código Canônico que impedem casamentos na Igreja Católica. O cânone 1.095 declara incapazes de contrair matrimônio “os que não têm suficiente uso da razão”. Já o cânone 1.084 impede casamento por impotência sexual “antecedente e perpétua”. Mas não há norma que impeça o matrimônio por risco de que os filhos tenham deficiências geneticamente herdadas dos pais.

Ele não acha possível, porém, que o MP possa interferir no caso. “É princípio republicano a separação entre Igreja e Estado”, afirma. “O caminho é recorrer dentro da Igreja.” É possível, explica, chegar até o equivalente ao Supremo Tribunal do Vaticano, chamado Tribunal da Rota Romana.

No final de 2002, uma juíza de Viamão (RS) deu liminar obrigando a Igreja a celebrar um casamento negado com base no Código Canônico. A medida foi revogada no dia seguinte pelo Tribunal de Justiça, mas rendeu uma confusão que durou meses. O arcebispo de Porto Alegre, d. Dadeus Grings, publicou artigo em que acusava a juíza Andréia do Amaral de “ignorância crassa” do Direito Canônico. Ele foi processado pela juíza por injúria e acabou fazendo acordo para se livrar da ação penal no final de 2003.

O QUE DIZ A LEI DA IGREJA

TÍTULO VII -
Do matrimônio

CAPÍTULO III - Dos impedimentos dirimentes em especial

Cân. 1084 - § 1. A impotência para copular, antecedente e perpétua, absoluta ou relativa, por parte do homem ou da mulher, dirime o matrimônio por sua própria natureza

§ 2. Se o impedimento de impotência for duvidoso, por dúvida quer de direito quer de fato, não se deve impedir o matrimônio nem, permanecendo a dúvida, declará-lo nulo

CAPÍTULO IV - Do consentimento matrimonial

Cân. 1095* - São incapazes de contrair matrimônio:

1.º os que não têm suficiente uso da razão

* Ela pode faltar por não haver um desenvolvimento psíquico suficiente (como acontece nas crianças, mas também nos retardados mentais (sic)) ou por doença mental permanente que incapacite para o uso da razão ou por transtorno transitório, como alcoolismo (nota explicativa da edição oficial)

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