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PESQUISADORES RECLAMAM DE PRECONCEITO DAS REVISTAS

Por: O ESTADO DE SÃO PAULO

10 de setembro de 2006

CLINICS
Message from the Chief Editor
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Nome: Kavita Kirankumar Patel Rolim
E-mail: clinics@hcnet.usp.br

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O ESTADO DE SÃO PAULO

Domingo, 10 de setembro de 2006

PESQUISADORES RECLAMAM DE PRECONCEITO DAS REVISTAS

Cientistas de fora dos EUA e Europa sentem maior dificuldade para publicar

Herton Escobar

A produção científica brasileira - medida pelo número de trabalhos publicados em revistas científicas - vem crescendo consistentemente ao longo dos últimos 30 anos. Mas a inserção da pesquisa nacional nos periódicos de maior impacto, como Nature e Science, ainda é pequena. Algo que, por um lado, reflete o estágio evolutivo geral da ciência brasileira - ainda longe das pesquisas de ponta feitas nos EUA e na Europa.

Muitos cientistas que tiveram artigos rejeitados, porém, reclamam de "preconceito" ou "discriminação" das grandes revistas contra trabalhos submetidos por autores de países em desenvolvimento. Associado a isso há uma sensação de que os trabalhos só recebem atenção quando acompanhados do nome de algum pesquisador ou instituição "estrangeira". De fato, são raros os estudos publicados na Nature e Science com autores e instituições exclusivamente brasileiras ou que têm, pelo menos, cientistas brasileiros como autores principais.

"Preconceito é uma palavra forte, mas certamente existe uma restrição. O filtro para nós é muito mais estreito", diz o pesquisador do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Bosco Pesquero, que desenvolve projetos com animais transgênicos e há mais de um ano tenta publicar um estudo na revista Nature Medicine. "Querem que a gente demonstre algo por três metodologias diferentes, quando uma já seria suficiente."

"É o tipo de coisa que a gente não tem como provar; mas há um sentimento muito claro de que isso, de fato, ocorre", diz o engenheiro agrônomo Luis Ignácio Prochnow, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). "A impressão é que, se o autor é americano, o tratamento é um. Se o autor é de fora, o tratamento é outro."

O colega Marcio Lambais, também da Esalq, que em junho publicou um artigo na Science sobre biodiversidade de bactérias na mata atlântica (em colaboração com um americano), também sente o tratamento diferenciado. "Se fosse um trabalho só de autores brasileiros, não sei se teria entrado", diz. "O problema maior é a desconfiança. A partir do momento que você estabelece uma relação de confiança com a revista, tudo bem."

NETWORKING

Segundo o físico e ex-pró-reitor de Pesquisa da USP, Luiz Nunes de Oliveira, a política da ciência depende muito de conhecer e ser conhecido na comunidade. Para isso, diz, é preciso freqüentar congressos internacionais e apresentar trabalhos no exterior - o que pode ser mais difícil para cientistas de países com menos recursos. "Tem muita gente boa conhecida, assim como muita gente boa desconhecida", diz. "Se você não conhece o autor, é difícil saber se ele fez o que está dizendo que fez."

Ainda assim, Oliveira não acha que haja má fé por parte das revistas, e diz que eventuais dificuldades não devem ser usadas como desculpa para não publicar (ou tentar publicar) em revistas conceituadas. "Acho que faz parte das regras." Entre 2001 e 2005, segundo ele, dos quase 70 mil mil trabalhos publicados por brasileiros em revistas indexadas na base ISI (Institute for Scientific Information), só 65 foram na Nature e Science.

Neste ano, especificamente, dos mais de 8 mil trabalhos submetidos até agosto para publicação na Nature, apenas 50 tinham autores brasileiros, segundo a editora Linda Miller. A Alemanha, comparativamente, submeteu mais de 500 trabalhos e os EUA, mais de 3 mil. "Os editores só podem selecionar estudos que são submetidos", diz.

A editora-executiva da Science, Monica Bradford, faz uma observação semelhante. "Para publicar os melhores trabalhos, temos de receber os melhores trabalhos para começo de conversa", diz. "Talvez haja essa percepção incorreta de que os trabalhos não serão publicados e por isso muitos estudos não são submetidos. Se a ciência for boa, vamos dar uma olhada nela, não importa de onde venha."

As duas revistas informaram não ter estatísticas mais precisas sobre trabalhos brasileiros submetidos e publicados.

CLUBE FECHADO

Para Antonio Carlos Martins de Camargo, do Instituto Butantã, não basta ser um bom cientista para publicar numa boa revista. Segundo ele, há um "círculo de influências" que envolve os detentores dos recursos (governo, indústria e agências de fomento), os pesquisadores (que precisam dos recursos) e as revistas e seus revisores (que avaliam e publicam os trabalhos dos pesquisadores). Um círculo que, dificilmente, é penetrado por pessoas de fora dele.

"Quando você olha o cientista brasileiro que publicou numa revista de alto impacto, vê que quase nunca foi sozinho; foi sempre com algum figurão que participa de um desses clubes", afirma Camargo. "Poucos brasileiros com uma linha de pesquisa própria conseguem publicar na Nature e Science. Aí a coisa é fechada."

A CIÊNCIA QUESTIONA SEU SENSACIONALISMO

Estudos polêmicos publicados em grandes revistas atraem a atenção do mundo, mas expõem críticas de cientistas preocupados com os exageros

Herton Escobar

Um cientista coreano que foi o primeiro a produzir células-tronco embrionárias clonadas de pacientes. Um pica-pau considerado extinto que renasceu das cinzas em uma floresta alagada dos Estados Unidos. Um homem tetraplégico capaz de controlar um braço robótico apenas com o poder do cérebro.

Uma fraude completa, um bicho que ninguém nunca mais viu e um experimento de resultados limitados, obtidos com um único paciente. Três estudos publicados em grandes revistas científicas internacionais e que viraram notícia no mundo inteiro, mas deixaram muitos pesquisadores descontentes.

Críticas ao conteúdo e ao processo de revisão das principais revistas científicas do mundo ganharam fôlego recentemente com a publicação de alguns trabalhos controversos e de mérito científico duvidoso. O caso das células-tronco na Coréia do Sul (publicado pela Science e depois retratado, após investigação) é certamente o mais escandaloso de todos. Mas não o único.

Pesquisas nem sempre tão fantásticas e nem sempre tão relevantes são muitas vezes divulgadas com estardalhaço pelas revistas, ao mesmo tempo em que trabalhos aparentemente de melhor qualidade estariam sendo ignorados ou nem sequer publicados. No foco das atenções - e das críticas - estão a britânica Nature e a americana Science, os dois periódicos científicos de maior influência no mundo (veja texto e gráfico na página ao lado para entender como o sistema funciona).

Entre os críticos está o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que há quase dez anos dirige o Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, nos EUA, e que já publicou diversos trabalhos nas duas revistas. Segundo ele, as grandes publicações científicas estão seguindo o caminho dos grandes conglomerados de mídia, onde o entretenimento e os interesses de anunciantes têm prioridade sobre o conteúdo e a notícia - ou, nesse caso, a ciência.

"Há uma crise muito grande na área de publicações científicas", disse Nicolelis ao Estado. "Não há transparência e o sistema de revisão virou uma guerra. Ninguém mais entende qual é o critério dessas revistas para aceitar ou rejeitar trabalhos."

CRITÉRIOS DUVIDOSOS

Ao ler um estudo recente sobre o controle cerebral de próteses - uma das áreas com a qual trabalha - publicado na capa da revista Nature, Nicolelis disse ter ficado "enojado". "Quando um trabalho fraco como esse sai na capa da Nature, é a prova cabal de que a integridade das revistas está comprometida por interesses comerciais", disse. "Minha impressão é de que elas entraram na onda de fazer publicidade delas mesmas. O que importa agora é sair nas manchetes."

O trabalho em questão, assinado por cientistas de universidades renomadas como Harvard e Brown, relata o desenvolvimento de uma "interface cérebro-computador": um programa que permitiu a um paciente tetraplégico mover um cursor digital e um braço mecânico por meio de comandos cerebrais. A tecnologia está sendo desenvolvida junto a uma empresa americana chamada Cyberkinetics.

Na avaliação de Nicolelis, o estudo apresenta resultados extremamente fracos e já demonstrados por outros grupos de pesquisa - inclusive o dele. "Não sei quem revisou esse estudo para ser publicado na Nature, mas certamente não foi nenhum pesquisador de ponta na área."

INFLUÊNCIA COMERCIAL

Nas revistas médicas, como New England Journal of Medicine, Lancet e Journal of the American Medical Association, a principal preocupação é com relação a influência da indústria farmacêutica sobre dados científicos que são ou deixam de ser publicados.

"A comercialização da medicina vem substituindo de maneira assustadora o rigor científico de trabalhos publicados por revistas de alto impacto", diz o cientista Antonio Carlos Martins de Camargo, diretor do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) do Instituto Butantã, que pesquisa novas drogas a partir de moléculas naturais da biodiversidade. "Os trabalhos freqüentemente contêm resultados não reproduzíveis, deixam de citar trabalhos pioneiros, omitem dados conclusivos depositados em bancos de dados oficiais, tudo para manter a reputação do grupo ou algum interesse econômico que o favoreça."

Ele cita o exemplo do Vioxx, antiinflamatório da Merck que teve de ser retirado do mercado após a constatação de que aumentava o risco de doenças cardiovasculares, inclusive enfarte e derrame. A apuração do caso, segundo Camargo, indica que evidências de risco foram omitidas na publicação dos ensaios clínicos. "Mesmo em estudos que comprovadamente tenham mostrado o risco do uso de certos medicamentos, publicações encomendadas em revistas especializadas de alta reputação substituem o rigor científico", critica o pesquisador.

O SUMIÇO DO PICA-PAU

Outro caso recente é o do pica-pau-bico-de-marfim (Campephilus principalis), uma ave americana considerada extinta há 60 anos e que teria sido redescoberta em 2004 numa reserva florestal do Estado de Arkansas. O estudo que relata a "ressurreição" foi capa da Science de 3 de junho de 2005 e atraiu grande atenção da mídia internacional. As evidência apresentadas, porém, foram (e continuam sendo) duramente contestadas.

As únicas provas visuais da existência do pica-pau são imagens de um vídeo feito a longa distância e com baixíssima definição. "A imagem é tão ruim que tiveram de fazer um desenho ao lado para explicar o que estão tentando mostrar", diz o ornitólogo André Nemésio, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Não há evidência nenhuma, há apenas uma hipótese. É Deus, só vê quem acredita."

Para ele, a revista errou ao publicar um trabalho com evidências tão fracas. "Acho que foi uma decisão muito mais política do que científica", diz. "Há muita gente grande envolvida e a pressão deve ter sido muito forte."

Nemésio não está sozinho. Tanto que, em março, a Science publicou dois artigos de reavaliação do estudo: um com críticas de outros pesquisadores e outro, com a resposta dos autores, reafirmando a interpretação dos resultados. O estudo é liderado por cientistas das Universidades de Cornell e Arkansas.

Até hoje, apesar de muitos esforços, ninguém nunca mais avistou o pica-pau extinto. Ainda assim, os efeitos da publicação continuam a ser sentidos. No mês passado, um juiz federal barrou um projeto de irrigação de US$ 320 milhões por causa do risco de o hábitat do pica-pau ser afetado.


OPINIÕES

João Steiner
Diretor do Instituto de Estudos Avançados/ USP

"Acho que existe um certo sensacionalismo, um pouco de forçação de barra. O número de pessoas que estão preocupadas com isso não é pequeno. É ruim para a ciência porque estão dando uma visibilidade falsa a um trabalho cujo valor não corresponde.

Luiz Nunes de Oliveira
Físico e ex-pró-reitor de Pesquisa da USP

"Não acho que seja uma questão de chamar a atenção da mídia, mas da comunidade científica. Essas são revistas que definem sua missão como publicar estudos de alto impacto, que produzam muitas citações. Se é algo que tenha potencial para gerar discussão, eles aceitam.

José Roberto Drugowich
Diretor do CNPq

"Essas revistas têm sua função, e é bom que elas chamem a atenção. Isso cria uma competição salutar para que os cientistas produzam coisas interessantes e não só ciência do dia-a-dia. É algo estimulante ao pensamento e à criatividade.Elas cumprem esse papel.

Carlos Henrique de Brito Cruz
Diretor científico da Fapesp

"Acho que a decisão sobre o que vai na capa das revistas tem uma boa dose de subjetividade. O interesse da mídia deve entrar na conta, mas não vejo nada de muito impróprio nisso.

Marcelo Nóbrega
Geneticista da Universidade de Chicago

"As grandes revistas sempre veicularam artigos sensacionalistas e continuarão a fazê-lo. Elas dizem que têm inserção na sociedade leiga, e aí fica fácil ver porque há exageros. Tente vender uma lista telefônica ou uma revista de fofocas e veja qual sai primeiro."





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