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DIRETRIZES PARA UM MODELO DE ASSISTENCIA INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL

Por: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA - ABP

25 de dezembro de 2006

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA - ABP

ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA – AMB

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS - FENAM

DIRETRIZES PARA UM MODELO DE

ASSISTÊNCIA INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL

NO BRASIL

2006

2

ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO

II. HISTÓRIA

III. A LEI 10.216/2001

IV. SITUAÇÃO ATUAL

V. NECESSIDADES BRASILEIRAS

VI. MODELOS ASSISTENCIAIS EM SAÚDE MENTAL PELO MUNDO

CANADÁ

INGLATERRA

ESTADOS UNIDOS da AMÉRICA

VII. PROPOSTAS DE DIRETRIZES PARA UM MODELO DE ASSISTÊNCIA

INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL

NÍVEL PRIMÁRIO

�� PROMOÇÃO e PREVENÇÃO

�� UNIDADES BÁSICAS de SAÚDE

NÍVEL SECUNDÁRIO

�� CENTRO de ATENÇÃO MÉDICA, PSICOLÓGICA, ESPORTIVA e

SOCIAL (CAMPES)

�� AMBULATÓRIO PSIQUIÁTRICO GERAL e ESPECIALIZADO

NÍVEL TERCIÁRIO

�� HOSPITAL DIA e HOSPITAL NOITE

�� CENTRO de ATENÇÃO INTEGRAL em SAÚDE MENTAL (CAISM)

�� UNIDADE PSIQUIÁTRICA em HOSPITAL GERAL (UPHG)

�� HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ESPECIALIZADO

�� UNIDADE de EMERGÊNCIA PSIQUIÁTRICA

PROTEÇÃO SOCIAL

�� SERVIÇO de RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA I

�� SERVIÇO de RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA II

�� CENTRO de CONVIVÊNCIA

PROGRAMAS ESPECÍFICOS

�� PROGRAMA de ATENÇÃO ESPECÍFICA PARA CRIANÇAS e

ADOLESCENTES nos TRÊS NÍVEIS

3

�� PROGRAMA de ATENÇÃO ESPECÍFICA para IDOSOS nos TRÊS NÍVEIS

�� PROGRAMA de ATENÇÃO ESPECÍFICA para a ÁREA de ÁLCOOL e

DROGAS nos TRÊS NÍVEIS

�� SERVIÇO de ATENÇÃO ESPECÍFICA para DOENTES MENTAIS

CUMPRINDO MEDIDA de SEGURANÇA e POPULAÇÃO PRISIONAL

com TRANSTORNOS MENTAIS

DISTRIBUIÇÃO de MEDICAMENTOS

REABILITAÇÃO e REINSERÇÃO SOCIAL

VIII. FINANCIAMENTO

IX. AVALIAÇÃO E CONTROLE

X. CONCLUSÕES

XI. CRÉDITOS

XII. BIBLIOGRAFIA

4

I - INTRODUÇÃO

Ao longo de seus 40 anos de existência a Associação Brasileira de Psiquiatria

(ABP) sempre lutou por um atendimento eficiente, de qualidade e digno para os

doentes mentais, contribuindo assim para a elaboração da Lei 10.216/2001 que

dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

A ABP, como legítima representante dos psiquiatras brasileiros, congregando

mais de 5.000 associados em 58 instituições federadas pelo Brasil, vem defendendo,

desde os anos 60, a reformulação do modelo da assistência em Saúde Mental no

Brasil. Por isso, não pode se furtar ao dever histórico de registrar que após 5 anos da

promulgação da Lei 10.216 ainda não ocorreu a criação de um modelo assistencial

que atenda as reais necessidades das pessoas que padecem de transtornos mentais.

Esperávamos que, com a promulgação da referida lei, ocorresse um grande impulso

em direção a um modelo assistencial integral, de boa qualidade e que acolhesse a

todos aqueles acometidos por transtornos mentais em seus mais diversos graus de

complexidade, o que efetivamente não ocorreu.

A ABP, após ampla discussão e aprovação do presente documento pelos

Delegados de suas federadas em Assembléia Geral iniciada no Pré-Congresso, em

Curitiba, PR, em 24 de outubro de 2006 e concluída em São Paulo, no dia 9 de

dezembro do mesmo ano, vem apresentar ao país as diretrizes para um modelo de

assistência em saúde mental no Brasil. Respeitamos neste trabalho as necessidades e

características da população brasileira, a regionalização, assim como os aspectos

éticos e científicos que devem nortear qualquer modelo de assistência em saúde

mental.

Elencamos alguns dos princípios que fundamentam a existência da ABP,

sobre os quais repousam seus compromissos com a saúde física, mental e social dos

5

indivíduos, seus grupos familiares e sociais, que em seu conjunto compõem a

população brasileira, cuja elevação do nível de saúde, aqui compreendida como

condição de bem estar físico, mental e social é o objetivo maior da existência da

Associação Brasileira de Psiquiatria.

Os princípios a que nos referimos incluem uma série de pontos já definidos e

aceitos, e que são os seguintes:

1. A Psiquiatria é um ramo da medicina;

2. A prática psiquiátrica deriva de resultados de conhecimentos científicos

que foram se construindo na base de estudos científicos empíricos

rigorosos;

3. Estes estudos científicos rigorosos contrastam e se opõem a interpretações

discursivas e impressionistas dos fenômenos psíquicos e dos problemas

do funcionamento mental;

4. Existe uma fronteira entre o normal e a doença, e esta fronteira pode ser

traçada com confiabilidade científica;

5. A diferença entre o normal e o patológico não é uma questão de grau, de

quantidade maior ou menor de transtornos mentais e comportamentais

apresentados por todos os seres humanos;

6. A diferença entre o normal e o patológico é antes de tudo uma questão da

qualidade inumana das manifestações mentais e comportamentais

apresentadas pelos indivíduos e pelos seres humanos grupalmente, que

definem sua clara patologia;

7. Dentro do domínio da doença existem doenças mentais leves e tanto estas

como as mais graves, não são mitos e sim realidades objetivas;

8. As doenças mentais e comportamentais são um conjunto de transtornos e

não um fenômeno unitário, e é tarefa da Psiquiatria Científica e da sua

pesquisa, bem como de outras especialidades médicas e de outras ciências

da saúde e do homem, investigar suas causas, diagnósticos e tratamentos;

6

9. É tarefa principal da Psiquiatria prevenir, tratar, curar e reabilitar

indivíduos e grupos humanos que necessitam de cuidados ou tratamentos

devidos a estes transtornos mentais e comportamentais;

10. Esta obrigação contrasta e se opõe ao atendimento apenas daqueles que

necessitam cuidados por problemas de desajustamento na vida ou

infelicidades pessoais;

11. A pesquisa e ensino devem enfatizar o diagnóstico e a classificação dos

transtornos mentais e comportamentais explicitamente e

intencionalmente;

12. A diferença entre os transtornos mentais, comportamentais e os

problemas de vida devem ser classificados e a pesquisa deve validar os

critérios desta classificação;

13. Os serviços de Psiquiatria e os locais de pesquisa devem ensinar estes

princípios e não depreciá-los, ridicularizá-los e estigmatizá-los;

14. Os serviços de Psiquiatria e os locais de pesquisa devem melhorar a

validade e a fidedignidade destes diagnósticos e classificações usando

técnicas avançadas de pesquisa;

15. Os serviços de Psiquiatria e os locais de pesquisa devem partir para a

busca da cura dos transtornos mentais e comportamentais e não apenas de

remissão e recuperação;

16. A pesquisa em psiquiatria deve usar as metodologias científicas

modernas;

17. O Hospital Psiquiátrico que num sistema descentralizado e hierarquizado

de Saúde Geral e Mental, deveria ser o local de atendimento, ensino e

pesquisa dos pacientes apresentando patologias de alta complexidade e

local necessário para o investigar e fazer progredir o conhecimento sobre

a natureza das doenças mentais foi estigmatizado como um local de

exclusão e desrespeito da cidadania dos pacientes, propondo-se e

conseguindo em muitos locais o seu desmantelamento, sem que fossem

instaladas as instâncias substitutivas do modelo nele centrado por

7

Unidades Básicas de Saúde, os Centros de Atendimento Psicossociais,

Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais, atribuindo-se aos psiquiatras

os fracassos desta política.

8

II – HISTÓRIA

“Aqueles que não conseguem se lembrar do passado estão condenados a repeti-lo”.

Santayana

O primeiro momento de preocupação efetiva com o doente mental no Brasil

foi em 1841, quando se autorizou, por decreto, a construção do hospício. O motivo

de tal decisão “foi a perturbação do funcionamento do Cais do Rio de Janeiro pelos

inúmeros loucos que por ali perambulavam”. Em 1852, 11 anos depois foi

inaugurado o Hospício Pedro II, o qual recebeu, de imediato, 144 pacientes oriundos

dos porões da Santa Casa e de uma instalação provisória que existia na Praia

Vermelha.

Com a Proclamação da República, o Asilo, controlado pela Igreja e ligado a

Monarquia, passa para a responsabilidade do novo Governo. O Hospício Nacional de

Alienados, superlotado e oneroso, entrou em crise agravada pela crescente demanda,

fazendo-se necessárias enérgicas medidas com a finalidade de solucionar problema

tão grave. Foi então proposto por Teixeira Brandão a criação das colônias agrícolas,

as quais seriam produtivas, com receita própria complementar, atenuando assim os

elevados custos, bem como seriam mais terapêuticas, pois além da ocupação

produtiva do doente, propiciariam maior contato com a natureza.

Surgiram, então, as duas primeiras colônias, o Hospital de Juqueri, em

Franco da Rocha, São Paulo e o Hospital São Bento na Ilha do Governador, Rio de

Janeiro, este desativado pela epidemia da febre amarela e pela malária.

Em 1903, Juliano Moreira assumiu a Diretoria de Assistência ao Psicopata do

Distrito Federal e começou a atuar conjuntamente com Osvaldo Cruz, desenvolvendo

campanha de saneamento, saúde e higiene mental, criando, nessa época, duas

colônias no Rio de Janeiro. A primeira, a do Engenho de Dentro – Hospital Pedro

9

II, em 1911 e a segunda, a de Jacarepaguá – Colônia Juliano Moreira, em 1923.

Em função destes frenocômios, surgiu o Serviço Nacional de Doenças Mentais, que

teve como primeiro diretor o Professor Adauto Botelho, e que mais tarde se

constituiu na Divisão Nacional de Saúde Mental – DINSAM e hoje é a

Coordenadoria Geral de Saúde Mental do MS.

Na época em que surgiram as Colônias, elas eram o que de melhor se podia

oferecer à população, mas a partir da década de 1950, com a superlotação, o sistema

entra em falência, principalmente pelo seu gigantismo e elevados custos

operacionais, gerando a incontrolável crise da assistência psiquiátrica estatal, a qual

se prolonga até os dias de hoje.

Em paralelo, com o início da Previdência Social no Brasil em 1923, pelo

Decreto nº 4.682, de 24 de Janeiro – Lei Eloi Chaves – surgiu o sistema de Caixas o

qual chegou a 183 instituições. Na década de 1930, iniciou-se o processo de fusão

das caixas surgindo os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) e,

concomitantemente, são criados os sistemas assistenciais dos funcionários públicos

civis e militares. Cabe ressaltar que o Instituto de Pensão e Aposentadoria dos

Servidores do Estado (IPASE), através de sua Divisão de Saúde Mental, na época

dirigida pelo Professor Neves Manta, instituiu a assistência psiquiátrica

previdenciária e foi, sem dúvida, o Instituto que mais avançou nesta assistência,

sempre executando política de saúde mental, integrando seus serviços próprios com

os contratados de forma eficaz, buscando o melhor atendimento aos segurados.

Dentro desta pluralidade de instituições, domina o interesse pelo

aperfeiçoamento da assistência médica. O Instituto de Aposentadoria e Pensão dos

Industriários (IAPI), por exemplo, considerou a Previdência Social um problema de

equacionamento técnico, impondo-se soluções não-políticas. Consultou seus

segurados e desta pesquisa surgiu a preferência pela assistência médica contratada,

10

dentro da filosofia da qual o Instituto não deveria dar diretamente assistência médica,

mas sim ser normativo e fiscalizador.

Nesta conjuntura, na década de 1940 os segurados exigem assistência

psiquiátrica mais individualizada e os Institutos, de forma lenta e gradual,

começaram a estabelecer contratos e convênios com as casas de saúde particulares

por todo o Brasil, evitando assim o envio de pacientes previdenciários para as

colônias, ainda que gratuitas.

As colônias ficaram, então, responsáveis pela assistência,

predominantemente, a pacientes não protegidos pela Previdência Social, uma

verdadeira legião de desamparados e necessitados.

Em 1966, com a fusão dos IAPs, surge o Instituo Nacional da Previdência

Social (INPS) e, em 1978, com o advento do Sistema Nacional de Previdência e

Assistência Social (SINPAS), desapareceu o remanescente IPASE e o INAMPS

constituiu-se no único Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência

Social.

Deste processo resultou um crescimento que chegou a um total de

aproximadamente 350 hospitais psiquiátricos particulares no início da década de

1980, sendo que cerca de 70% dos mais de 80.000 leitos da iniciativa privada eram

custeados pelo INAMPS.

O INAMPS, ao surgir assumiu modelo assistencial que buscou a substituição

dos grandes asilos por hospitais psiquiátricos particulares de pequeno e médio porte,

cujos serviços contratou porque eram mais eficientes e econômicos, de fácil acesso

para a população e simples de fiscalizar.

11

Faltou o Estado dar condições para o surgimento de serviços que pudessem

completar o sistema com as demais modalidades de ação terapêutica. Assim, foram

construídos ambulatórios e serviços de emergência, mas não em número suficiente.

Com a promulgação da Constituição de 1988 e com a sanção da Lei 8.080/

1990, ficou criado e regulamentado o Sistema único de Saúde (SUS), que significou

um grande avanço na assistência à saúde em nosso país, cujas ações devem obedecer

aos princípios da universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis

de assistência; da integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e

contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,

exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; da

preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; da

igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer

espécie; do direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; da

divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua

utilização pelo usuário; da utilização da epidemiologia para o estabelecimento de

prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; da participação da

comunidade; da descentralização político-administrativa, com direção única em cada

esfera de governo.

A universalidade de acesso aos serviços de saúde constituiu-se, sem nenhuma

dúvida, em um extraordinário avanço para toda a população brasileira, significando

muito para os doentes mentais.

Lamentavelmente, mesmo com o advento do SUS, não foram criados serviços

de atenção primária e secundária em saúde mental de acordo com as necessidades e

os serviços hospitalares existentes se deterioram progressivamente, em razão da

asfixia financeira sofrida.

12

A ABP sempre criticou e combateu os maus serviços, assim como sempre

enalteceu e estimulou os bons serviços, em todos os níveis de assistência.

Para formar melhor juízo sobre a Assistência Psiquiátrica no Brasil, também é

necessário destacar alguns pontos da História Geral da Psiquiatria.

A partir do início do século XX, uma profunda modificação marcou a

Psiquiatria. A essência desta modificação foi a vinculação da nosologia com a

terapêutica, colocando-a mais e mais como um ramo da medicina, como ciência. e

tem seu marco inicial em 1917, com Julius Wagner Von Jauregg que, observando os

efeitos benéficos da hipertemia em um paralítico geral, põe em evidência a

malarioterapia para o tratamento desta doença. Até então as terapêuticas existentes

não guardavam esta vinculação. A partir de Jauregg o avanço foi rápido, passando

pela Insulinoterapia de Manfred Sakel (1932), pelo Choque Cardiazólico de Ladislas

Von Meduna (1936) e pela Eletroconvulsoterapia de Ugo Cerletti (1938) e chegando

aos psicofármacos na década de 50, uma verdadeira revolução na assistência ao

doente mental. Com estes avanços, a atenção religiosa e policial dedicada ao doente

mental começou a ceder lugar para a atenção médica. No Brasil, isto é mais

claramente percebido a partir de meados do século XX.

Com o advento da psicofarmacoterapia a partir dos anos 50, em todo o

mundo, reduziu-se o tempo de permanência hospitalar, diminuindo assim

drasticamente a população de pacientes residentes. A clássica figura do asilado,

morador permanente do hospital, perdeu sua prevalência numérica. Infelizmente,

entretanto, não se conseguiu obter a cura dos doentes mentais. Mesmo assim, em

razão da facilidade da administração oral dos psicofármacos, uma parte do tempo de

permanência em tratamento foi transferida para o domicílio do paciente. Por motivos

vinculados à natureza da própria doença, por dificuldades sociais, pela não adesão ao

tratamento, pelas dificuldades de acesso ao tratamento ambulatorial ou pela não

13

dispensação gratuita de medicamentos, parte dos pacientes não consegue permanecer

em casa pelo tempo que poderia. O Estado sempre investiu pouco em atualização,

levando o sistema assistencial a enfrentar dificuldades e a alimentar tratamentos

retrógrados.

O gráfico abaixo mostra a evolução da população de pacientes internados

residentes nos Estados Unidos, deixando muito claro que a significativa redução

desta população ocorreu, principalmente, em razão do surgimento dos

psicofármacos. Este fenômeno ocorreu também nos demais países desenvolvidos e

em desenvolvimento.

14

Nas últimas duas décadas os conhecimentos alcançados pela Engenharia

Genética e pela Biologia Molecular vêm confirmando a importância das bases

biológicas das doenças mentais e juntamente com os métodos de obtenção de

imagens estruturais e funcionais do cérebro in vivo, têm proporcionado um

conhecimento cada vez maior do cérebro e desvendado segredos que certamente

resultarão em benefícios para os doentes mentais.

Para se promover a necessária reorientação da Assistência em Saúde Mental

no Brasil é necessário abandonar preconceitos, abrir mão de objetivos políticosideológicos,

superar questões econômico-financeiras e voltar toda a nossa atenção

para os doentes mentais e seus familiares, dentro de princípios éticos e científicos.

15

III - A LEI 10.216/2001

A Lei 2.312 de 03 de setembro de 1954, que estabeleceu Normas Gerais

sobre Defesa e Proteção da Saúde e o Decreto nº 49.974A, de 21 de janeiro de 1961,

que se constituiu no Código Nacional de Saúde, que regulamentou a referida Lei,

davam ênfase ao atendimento psiquiátrico extra-hospitalar.

Destacamos o Artigo 22 da Lei 2.312/1954:

“Art. 22 - O tratamento, o amparo e a proteção ao doente nervoso ou

mental serão dados em hospitais, em instituições para-hospitalares ou no

meio social, estendendo a assistência psiquiátrica à família do psicopata”.

Destacamos também os Artigos 75, 76 e 85 do Decreto nº 49.974A/1961:

“Art. 75. A política sanitária nacional, com referência à saúde

mental, é orientada pelo Ministério da Saúde, no sentido da prevenção da

doença e da redução, ao mínimo possível, dos internamentos em

estabelecimentos nosocomiais”.

“Art. 76. O Ministério da Saúde estimulará o desenvolvimento de

programas de psico-higiene através das organizações sanitárias das

unidades da Federação, visando a prevenção das doenças mentais, para o

que dará ampla assistência técnica e material”.

“Art. 85. O Ministério da Saúde organizará e estimulará a criação

de serviços psiquiátrico-sociais de assistência tanto aos pacientes egressos

de nosocômios, como as famílias, no próprio meio social ou familiar”.

Nos anos 60, os psiquiatras brasileiros já propunham a mudança de um

modelo de assistência psiquiátrica “hospitalocêntrico” para um modelo de assistência

integral.

Impossível e inadequado pensar em atender milhões de pessoas portadoras de

transtornos mentais somente em hospitais. A maioria da população a ser assistida

necessitava, e ainda necessita, de atendimento em ambulatórios gerais e

especializados com a dispensação dos medicamentos prescritos.

16

Novas formas de atenção em Saúde Mental, aliadas ao avanço do

conhecimento, vêm possibilitando maior permanência das pessoas enfermas em seu

meio social, maior intervalo entre crises e maior sucesso em procedimentos de

reabilitação psicossocial.

Os psiquiatras brasileiros sempre tiveram como referência maior o paciente,

ao qual dedicam todos os seus esforços, formação técnico-científica e pessoal.

Sempre objetivaram tratamentos e cuidados para aqueles que padecem de transtornos

mentais na medida de suas necessidades.

A ABP sempre defendeu a priorização do atendimento extra-hospitalar. Neste

sentido, o Jornal Psiquiatria Hoje, órgão oficial da ABP, edição de maio / junho de

1985 publicou documento assinado pelos Doutores João Romildo Bueno, Luiz

Salvador de Miranda Sá Júnior, Marcos Pacheco Ferraz e José Lopes Neto.

Sobre este documento o Professor Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior

manifestou-se, recentemente, da seguinte forma: “Naquela ocasião, há mais de 20

anos, a ABP já apontava com segurança para a necessidade de superação de um

modelo monoinstitucioinal e para a criação de uma rede de serviços adequados para

atender às necessidades de saúde mental da população brasileira. Rede cuja

construção e manutenção era perfeitamente viável graças ao notável avanço havido

na terapêutica psiquiátrica em todo o mundo, aliada à nova consciência da

assistência à saúde como direito do cidadão. Apontava-se para a necessidade de

superar a alienação das agências de saúde pública da saúde geral, para o caráter

multiprofissional do cuidado prestado e para a participação da comunidade em sua

operação. Ao invés, optou-se por modelo uni-nucleado, monovalente e também

excludente, porque alienado e alienante, na medida que isolado do sistema geral de

saúde, hesitante entre a negação da doença mental e a persistência nos antigos e

superados conceitos de louco e loucura. Além de inepto para atender a um número

muito grande de casos cujo eixo do atendimento há de ser a assistência médica. A

17

preocupação com a economia de custos salta aos olhos do observador mais

desatento, bastando que não seja cego, apaixonado, interessado ou inteiramente

desinformado. Veja-se a atualidade daquela proposta. Proposta que, na minha

opinião, deveria ser tomada como reinício do planejamento da assistência

psiquiátrica nacional no momento atual da vida brasileira. Se não, veja-se aí a

velha-nova proposta como estímulo à discussão e como testemunho vivo de um

momento importante na vida institucional da ABP”.

O documento, que resume a trajetória da ABP no período de 1977 a 1985,

tem um viés político oportuno para àquela época, quando se dava em nosso país a

transição para a democracia. Refere-se às cartas de Camboriú, Goiânia, Tambaú,

Salvador, Belém, Natal, Brasília e Campo Grande. Critica o modelo

hospitalocêntrico atuando de forma custodial e asilar. Critica a quase inexistência de

ambulatórios públicos de saúde mental. Propõe desenvolver programas de saúde

mental regionalizados e hierarquizados, a partir da capacidade instalada pública e

privada estabelecendo mecanismos eficientes de referências e contra-referências

entre os centros de saúde, ambulatórios e leitos psiquiátricos.

No Jornal do CFM, edição de julho / agosto de 2000, o Professor Luiz

Salvador de Miranda Sá Júnior revela que em meados da década de 80 a Associação

Brasileira de Psiquiatria e a Divisão Nacional de Saúde Mental do Ministério da

Saúde passaram a desenvolver uma ação conjunta objetivando mudanças na

legislação. O trabalho desenvolvia-se bem e as articulações políticas eram

processadas, quando foram surpreendidos pela apresentação do Projeto de Lei do

Deputado Paulo Delgado que era antimédico e especificamente antipsiquiátrico.

No ano de 1989 foi apresentado na Câmara Federal o Projeto de Lei nº 3.657

de autoria do Deputado Paulo Delgado, propondo explicitamente a extinção dos

hospitais psiquiátricos e a subordinação dos atos médicos à equipe multiprofissional

e à promotoria pública. O projeto sequer foi debatido no âmbito das Comissões ou

18

no Plenário da Câmara, sendo aprovado em 14 de dezembro de 1990 por voto de

liderança. Somente a partir de seu encaminhamento ao Senado Federal o projeto de

lei passou a ser efetivamente discutido. Participaram desta discussão professores de

psiquiatria, psiquiatras, familiares de doentes mentais e representantes de instituições

que em defesa dos pacientes posicionaram-se pela rejeição do Projeto de Lei e

pressionaram os senadores. Outros, liderados pelo Professor Marcos Pacheco Ferraz,

apoiaram o projeto.

Na justificativa do projeto de lei, rejeitado no Senado, misturavam-se

conceitos e observações equivocadas, com graves ofensas e acusações descabidas e

levianas aos psiquiatras e aos hospitais, equiparando-os a torturadores e

seqüestradores.

O então presidente da Associação Mundial de Psiquiatria, Prof. Dr. Jorge

Alberto Costa e Silva, encaminhou a todos os senadores carta denunciando os

equívocos do projeto e sugerindo que se elaborasse uma lei com diretrizes baseadas

na moderna política da assistência psiquiátrica, com fundamentos técnicos e

científicos. Transcrevemos a carta:

Excelentíssimo Senhor Senador,

Gostaria de expor as razões pelas quais me posiciono contra o texto

do Projeto de Lei 0008/91.

Considerando que a situação da assistência psiquiátrica brasileira é

bastante precária e que poderá se tornar caótica com a implantação

inadequada para a assistência aos enfermos mentais.

Considerando que a assistência psiquiátrica esta necessitando de

uma revisão, mas baseada em fundamentos exclusivamente científicos,

técnicos, e não políticos partidários ou de interesse de grupos particulares.

Considerando que o projeto de lei em pauta irá inibir e tutelar a

ação do psiquiatra e da psiquiatria.

19

Considerando que o psiquiatra não é o carcereiro do doente mental

(Henry Ey), e sim como afirmou o mestre brasileiro, Ulysses

Pernambucano, o Curador natural do doente mental.

Considerando que este projeto contraria os princípios técnicos e

científicos que norteiam a prática psiquiátrica observados no mundo.

Considerando que o direito a ser tratado de uma doença mental deve

ser garantido a todos que dela sofram.

Considerando a necessidade de um programa educacional para os

profissionais de saúde mental, melhor se preparem para tratar os doentes

mentais.

Considerando que o grande inimigo dos doentes mentais não são os

psiquiatras, os profissionais de saúde mental, e as instituições psiquiátricas,

mas sim a doença mental.

Considerando que devemos ter as necessárias garantias para que o

psiquiatra, a psiquiatria, os profissionais de saúde mental, e os doentes

mentais tenham assegurado o acesso a todas as alternativas para o

tratamento das doenças mentais.

Respeitosamente sugiro que seja elaborada uma lei que respeite as

diretrizes da moderna política da assistência psiquiátrica, com fundamentos

técnicos e científicos.

Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1991.

Atenciosamente,

Prof. Dr. Jorge Alberto Costa e Silva

Presidente da Associação Mundial de Psiquiatria.

O Prof. Dr. Valentim Gentil sempre se referiu ao Projeto de Lei 3657/1989

como uma clara radicalização da "Proposta de política de Saúde Mental da Nova

República” e, que poderia passar despercebido, pois nenhum hospital psiquiátrico

público digno de nota fora construído neste país desde a década de 50.

20

Em diversos legislativos estaduais, tramitaram projetos de lei, idênticos entre

si, que, além de proibir o investimento em hospitais e a contratação de leitos

hospitalares, incluíam providências como o atrelamento das universidades a essas

leis.

Em dezembro de 1995, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal,

o Projeto de Lei nº 3657/1989, de autoria do Deputado Paulo Delgado foi rejeitado,

sendo aprovado o substitutivo do Senador Lucídio Portela, por 23 votos a 4. No

plenário do Senado, foi aprovado o substitutivo Sebastião Rocha que fez pequenas

modificações ao texto de Lucídio Portela, sem contudo modificar sua essência.

Com o retorno do Projeto de Lei para a Câmara dos Deputados, em

19/10/2000, na Comissão de Seguridade Social e Família, a ABP representada pelo

Dr. Josimar França, defendeu um modelo de assistência integral em saúde mental.

A comparação do PL Paulo Delgado e do Substitutivo Lucídio Portela,

contemplado quase na integralidade na Lei 10.216 de 2001, permite facilmente

constatar-se a diferença entre um e outro. Após grandes embates entre o científico e o

político ideológico, prevaleceram os aspectos científicos e o Substitutivo do Senado

Federal transformou-se na Lei 10.216/ 2001 que dispõe sobre a proteção e os direitos

das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em

saúde mental.

Retirou-se da lei todo o viés político-ideológico, corrigindo as graves

distorções apresentadas no projeto de lei original, prevalecendo uma redação

realística e contemporânea, que dá ao doente mental as garantias de cidadão,

inclusive quando preserva seu direito a todos os tipos de atendimento, nos mais

diversos graus de complexidade e não exclui a internação psiquiátrica. Ela é

abrangente e moderna em todos os aspectos. Infelizmente, hoje, 5 anos depois da

promulgação, nos deparamos com um sistema que, através de sucessivas portarias,

21

vêm aplicando o projeto rejeitado no Congresso Nacional o que vem gerando

insegurança nos pacientes, familiares, operadores do sistema e principalmente

naqueles que realmente prestam atendimento. A Lei nº. 10.216 até agora não foi

efetivamente usada para a melhoria da assistência em Saúde Mental.

A ABP continuará apoiando e lutando pela reforma do modelo de assistência

em saúde mental, bem como pela verdadeira implementação da Lei 10.216/2001 que

infelizmente até hoje não foi efetivada. Há muitos anos lutamos por mudanças, que

deveriam ter sido feitas de forma responsável, sem demagogia, sem preconceitos e

inseridas numa Política de Saúde mais ampla.

Para que possamos levar adiante nossas considerações se faz totalmente

necessário relembrarmos a lei, como ela é:

Lei Nº 10.216, de 6 de abril de 2001

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de

transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde

mental:

O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e

eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno

mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de

discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção

política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de

gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Art. 2º - Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a

pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos

direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único - São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

22

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às

suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de

beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na

família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a

necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de

seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos

possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde

mental.

Art. 3º - É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de

saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de

transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a

qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as

instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de

transtornos mentais.

Art. 4º - A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada

quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1º - O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social

do paciente em seu meio.

§ 2º - O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a

oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais,

incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais,

de lazer, e outros.

23

§ 3º - É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos

mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas

desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos

pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.

Art. 5º - O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se

caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu

quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política

específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob

responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância

a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento,

quando necessário.

Art. 6º - A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo

médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único - São considerados os seguintes tipos de internação

psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do

usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do

usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Art. 7º - A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a

consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que

optou por esse regime de tratamento.

Parágrafo único - O término da internação voluntária dar-se-á por

solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

Art. 8º - A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada

por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina do

Estado onde se localize o estabelecimento.

§ 1º - A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e

duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável

24

técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo

procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

§ 2º - O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita

do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista

responsável pelo tratamento.

Art. 9º - A internação compulsória é determinada, de acordo com a

legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de

segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais

internados e funcionários.

Art. 10 - Evasão, transferência, acidente, intercorrências clínica grave e

falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde

mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à

autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da

data da ocorrência.

Art. 11 - Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não

poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu

representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais

competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.

Art. 12 - O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará

comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.

Art. 13 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de abril de 2001.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Jose Gregori

José Serra

25

IV - SITUAÇÃO ATUAL

Desde 1995, a Coordenação-Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde

adotou como uma das premissas para a construção do seu modelo de assistência, a

exclusão do médico da equipe que assiste o doente mental e vem fazendo isto

progressivamente. O médico psiquiatra vem sendo colocado mais e mais como

profissional secundário e prescindível e a ele têm sido atribuídas as mazelas do

sistema. Este movimento ganhou suficiente espaço na mídia para estigmatizar os

psiquiatras, numa orquestração bem engendrada que não dá espaço para as

manifestações e opiniões contrárias.

Atualmente a assistência em Saúde Mental implementada pela Coordenação-

Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde está centralizada nos Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS). Ao CAPS foi delegado o papel de articuladores

estratégicos, com a responsabilidade de regular a porta de entrada da rede de atenção

em Saúde Mental em sua área de atuação e distribuir a demanda para os outros

recursos de assistência à saúde, porventura existentes. Cabe aos CAPS o acolhimento

e a atenção às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Assim, os

CAPS estão substituindo a anterior atuação dos hospitais psiquiátricos e não sendo

um equipamento a mais a integrar o sistema, ferindo frontalmente a Lei 10.216/2001

que preconiza o redirecionamento do modelo assistencial, garantindo ao paciente o

acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades.

Trocou-se um modelo hospitalocêntrico obsoleto por um modelo

Capscêntrico ineficiente.

O padecimento do paciente psiquiátrico, entendido simplesmente como

situação social e não como doença, aliada à excessiva ênfase atribuída à instituição

onde o paciente é tratado, tem tido relevo em detrimento da qualidade e da eficiência

do tratamento oferecido.

26

Embora discordemos do modelo anterior, centrado no hospital, também não

concordamos com o modelo atual centrado no CAPS. Devemos criar uma rede

integral de atenção em Saúde Mental, não se fixando em um único tipo de serviço.

Os doentes devem ter garantia de acesso a todos os tipos de atendimento de acordo

com a suas necessidades e com a demanda real de cada grupo.

Ao invés de criar novos serviços extra-hospitalares e investir na melhoria dos

serviços hospitalares e extra-hospitalares existentes, o que iria desembocar numa

diminuição natural das internações psiquiátricas, a Coordenação-Geral de Saúde

Mental do Ministério da Saúde passou a digladiar-se com os psiquiatras e com os

hospitais psiquiátricos em uma “guerra santa” pelo fechamento incondicional dos

hospitais. Passou-se a propalar, de forma falsa, que, com a sanção da Lei

10.216/2001, fora decretada a extinção dos hospitais psiquiátricos e a proibição de

internação de doentes mentais. Promoveram uma diminuição artificial da demanda

através da diminuição da oferta dos serviços hospitalares pelo fechamento

indiscriminado de leitos psiquiátricos. Prevaleceu o interesse ideológico sobre o

interesse dos pacientes e de seus familiares.

Há cerca de 15 anos a Coordenação-Geral de Saúde Mental do Ministério da

Saúde vem implementando o projeto de lei rejeitado e através de uma bem

organizada campanha institucional oficial difunde que foi aprovada a “Reforma

Psiquiátrica do Movimento da Luta Antimanicomial”, falseando a verdade. De forma

deturpada a Lei 10.216/2001 tem sido citada para justificar portarias nitidamente

contraditórias ao seu texto.

O modelo que vem sendo implantado não é claro e não tem definido o seu

perfil assistencial. Tende-se a estruturação de um modelo “Capscêntrico”, onde

consideram o médico psiquiatra prescindível. Tal modelo tem se mostrado de custo

elevado e não tem sido avaliado em seu custo-benefício.

27

Optou-se pelo cuidar em lugar do tratar, pela desmedicalização, promovendo

assim a desassistência e o retorno a uma fase equivalente à fase policial e religiosa da

assistência ao doente mental. Na verdade, vem sendo promovida a exclusão sem

muros e sem tratamentos.

Rede preconizada pela Coordenação-Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde:

Os ideólogos e os executores da política de Saúde Mental do Ministério da

Saúde não contaram com o suporte adequado das universidades, que de fato foram

excluídas das diversas Conferências de Saúde Mental e não têm maior contato com a

Coordenação-Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde, o que poderia ter sido

28

útil ao menos para retirar os interesses comerciais e ideológicos de questão tão

relevante para a sociedade brasileira.

A Lei indica a direção do que acreditamos ser uma assistência moderna e

adequada para a área da Saúde Mental. O avanço não se faz com proibições e não

pode ter proposições restritivas à pesquisa e à terapêutica.

A ABP sempre foi e sempre será contra toda e qualquer má assistência

psiquiátrica onde quer que ela seja feita. A má ou boa qualidade assistencial não está

no nome ou no tipo da instituição na qual ela é realizada, mas no que e como se faz.

Construindo-se um sistema de assistência em saúde mental adequado e eficiente os

vencedores serão, além da democracia, os acometidos de transtornos mentais, seus

familiares e a sociedade como um todo.

O governo federal, pela ação equivocada da Coordenação-Geral de Saúde

Mental do Ministério da Saúde, não pode se esquivar, como vem fazendo, de

financiar o tratamento dos pacientes acometidos de transtornos mentais, de forma a

atender adequadamente as suas necessidades.

Não se pode gerar desassistência, por questões ideológicas. A

desinstitucionalização não poderia, mas está gerando desassistência.

A eletroconvulsoterapia (ECT), internacionalmente reconhecida como

método terapêutico bastante eficaz e seguro, cada vez mais utilizado nos países

desenvolvidos, devidamente regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina

através da Resolução 1640/2002, não está incluída na lista de procedimentos do SUS.

No Congresso da World Psychiatric Association de 2006, foi aprovado na

Assembléia de Delegados, o documento intitulado “Declaração de Consenso Sobre o

Uso e Segurança da Eletroconvulsoterapia”, produzido pela Seção de Psiquiatria

29

Biológica da WPA e que deverá pautar todos os guidelines das Associações afiliadas

pelo mundo. O objetivo desta Declaração é evidenciar a eficácia e segurança da ECT

e prover elementos e recomendações para otimizar sua prática. Resumidamente, o

documento diz o seguinte:

1. Desde sua introdução, no final da década de 30, a ECT vem angariando

importantes progressos, como o uso de anestesia e relaxamento muscular, no

sentido de aumentar sua segurança e tolerabilidade;

2. A boa prática da ECT inclui o expresso consentimento do paciente ou seu

responsável legal, ambiente apropriado, equipamentos adequados e pessoal

capacitado;

3. O tratamento consiste em uma fase inicial para alcançar a remissão dos

sintomas, com duração de 6 a 8 semanas; uma fase de continuação, nas

subseqüentes 16 a 20 semanas, no sentido de manter a remissão (evitar

recaídas) e atingir a plena recuperação; e, uma fase de manutenção, visando

prevenir as recorrências, de duração flexível;

4. Estudos de neuroimagem não demonstraram qualquer indício de que ECT

possa causar destruição neuronal. Altas taxas de recaídas foram relatadas

após a remissão completa dos sintomas com ECT, sendo que estas foram

enormemente reduzidas com a introdução de farmacoterapia na fase de

continuação, conforme estudos de Sackheim;

5. A ECT, nos transtornos depressivos graves, é o mais efetivo método de

tratamento, quando comparada a qualquer outra modalidade, mesmo ao

amplo espectro de opções farmacológicas, sendo particularmente indicada na

presença de sintomas psicóticos, delirantes ou catatônicos e, principalmente,

risco iminente de suicídio;

30

6. Estudos demonstraram fartamente que a ECT pode ser muito valiosa no

rápido controle de estados maníacos graves e também no tratamento de

manutenção dos Transtornos Bipolares refratários, cicladores rápidos e

estados mistos;

7. Na Esquizofrenia, a ECT está mais indicada em quadros agudos com agitação

psicomotora e na catatonia. A ECT influencia positivamente na evolução e a

associação de ECT com farmacoterapia nas fases de continuação e

manutenção traz resultados superiores ao uso isolado de fármacos;

8. A ECT pode ser considerada uma poderosa arma no tratamento de grande

parte das emergências psiquiátricas, assim como pode ser decisiva para salvar

vidas para certos casos de Síndrome Neuroléptica Maligna, mormente os que

não respondem a farmacoterapia específica. ECT tem demonstrado, ainda, ser

de grande valia em alguns casos de TOC, demência e Parkinson;

9. Cabe ressaltar o bom uso de ECT em condições especiais, como em grávidas,

idosos e crianças, sempre obedecendo a criteriosos cuidados;

10. Depois de quase 70 anos, a ECT continua sendo um valioso recurso

terapêutico para diversas condições psicopatológicas, além de ser um método

seguro e bem tolerado;

11. Levando em conta sua inquestionável validade, faz-se mister um esforço das

Associações afiliadas a WPA no sentido de conscientização pública, visando

desestigmatizar a ECT.

Sobre Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG), encontramos no

Relatório de Avaliação de Programa - Ações de Atenção à Saúde Mental – do

31

Tribunal de Contas da União (TCU) a seguinte afirmação: “O número de unidades

psiquiátricas em Hospitais Gerais em todos os estados visitados é ainda baixo,

havendo pouca disponibilidade desses leitos, mesmo nos hospitais

universitários...”. Recentemente o Coordenador Geral de Saúde Mental do

Ministério da Saúde afirmou existirem atualmente no país cerca de 2.500 leitos em

UPHG. O número que encontramos é menor que 2.000.

Os parâmetros assistências têm sido forjados com base num sistema de idéias

que refletem os próprios interesses e nas disponibilidades orçamentárias. Carecem de

base científica.

Apresentamos comparativo de leitos psiquiátricos por mil habitantes entre

vários países do mundo:

LEITOS PSIQUIÁTRICOS POR 1000 HABITANTES

0,23

0,44 0,46 0,52 0,54 0,58

0,68 0,76 0,82 0,88 0,95

1,14 1,20

1,32

1,51

1,90

2,84

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,00

BRASIL

ESPANHA

ITÁLIA

AUSTRIA

URUGUAI

INGLATERRA

ARGENTINA

ALEMANHA

BULGARIA

ISRAEL

USA

IRLANDA

FRANÇA

SUÍÇA

DINAMARCA

CANADA

JAPÃO

Os leitos psiquiátricos SUS, remanescentes no Brasil, estão distribuídos da

seguinte forma:

32

Leitos Hospitais Leitos por mil habitantes

Amazonas 126 1 0,04

Acre 53 1 0,08

Amapá 0 0 0

Pará 56 1 0,01

Tocantins 160 1 0,02

Roraima 0 0 0

Rondônia 0 0 0

Região Norte 396 4 0,03

Alagoas 880 5 0,29

Bahia 1.633 9 0,12

Ceara 1.120 8 0,14

Maranhão 822 4 0,13

Paraíba 801 6 0,22

Pernambuco 3.293 16 0,39

Piauí 400 2 0,13

Rio Grande do Norte 819 5 0,27

Sergipe 380 3 0,19

Região Nordeste 10.148 58 0,2

Distrito Federal 74 1 0,03

Goiás 1.303 11 0,23

Mato Grosso 117 2 0,04

Mato Grosso do Sul 200 2 0,09

Região Centro-Oeste 1.694 16 0,13

Espírito Santo 620 3 0,18

Minas gerais 3.052 21 0,16

Rio de Janeiro 8.134 41 0,53

São Paulo 13.594 58 0,34

Região Sudeste 25.400 123 0,32

33

Paraná 2.688 17 0,26

Santa Catarina 800 4 0,14

Rio Grande do Sul 911 6 0,08

Região Sul 4.399 27 0,16

NO BRASIL 42.036 228 0,23

Observamos que além do baixo índice de leitos por 1000 habitantes existe

uma má distribuição destes leitos entre os diversos estados da federação o que obriga

o paciente a deslocar-se, as mais das vezes de longas distâncias, para receber

assistência.

Sobre a distribuição de leitos psiquiátricos, encontramos no Relatório de

Avaliação de Programa - Ações de Atenção à Saúde Mental – do Tribunal de Contas

da União (TCU) a seguinte afirmação: “Atualmente o número de leitos por 1000

habitantes está abaixo do padrão definido pelo Ministério da Saúde de 0,45 leitos

por 1000 habitantes, oferta que, na realidade, ainda é mais reduzida quando se

considera a ocupação de leitos por pacientes cronificados (asilares). Parte dos

pacientes asilares permanece internada nos Hospitais Psiquiátricos porque a rede

extra-hospitalar de atenção às pessoas portadoras de transtornos mentais ainda é

incipiente, dificultando a desinstitucionalização dos pacientes crônicos”.

Optaram pelo cuidar em lugar do tratar, pela desmedicalização, promovendo

assim a desassistência e o retorno a uma fase equivalente à fase policial e religiosa da

assistência ao doente mental. Na verdade promoveram a exclusão sem muros, sem

tratamentos e sem cuidados. Vejam os doentes mentais moradores de rua.

A excessiva ideologização do sistema de atenção encetada pela Coordenação-

Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde promoveu a associação da imagem do

médico psiquiatra à de agente do sistema antidireitos de cidadania. Promoveram,

também a vinculação da imagem do hospital psiquiátrico, pejorativamente chamado

34

de manicômio, a de uma câmara de torturas, com supressão da liberdade de

expressão individual de pessoas por eles consideradas originais.

Promoveram uma doutrinação maciça de idéias antipsiquiátricas nas

faculdades enfermagem, de psicologia, de terapia ocupacional, de serviço social e até

de medicina. Também o fizeram em alguns meios “intelectuais”. Utilizando-se do

poder da mídia, procuraram associar os tratamentos psiquiátricos a ações desumanas,

cruéis e, sobretudo ineficientes.

DOENTES MENTAIS CUMPRINDO MEDIDA DE SEGURANÇA E

POPULAÇÃO PRISIONAL COM TRANSTORNOS MENTAIS

Eis um grupo de doentes mentais que não tem recebido nenhuma atenção do

atual sistema de assistência em saúde mental, nem sequer do SUS.

Existem duas situações de pessoas com doenças mentais nos cárceres:

1. Pessoas que cometeram crimes em decorrência de sua doença mental e foram

considerados inimputáveis. Em função disso, foram absolvidos e receberam

uma Medida de Segurança de tratamento compulsório.

2. Pessoas que estão presas em cumprimento de pena, ou seja, foram

consideradas imputáveis e culpadas e foram condenadas, ou pessoas presas

provisoriamente (prisão preventiva, por flagrante, etc). Qualquer uma delas

pode apresentar doença mental a qualquer momento, até porque as condições

carcerárias são estressantes.

A lei determina que o tratamento relacionado à Medida de Segurança seja

realizado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP). Aí nos

deparamos com o primeiro problema. Muitos estados não possuem HCTP e os que

contam com esse recurso, à exceção de São Paulo e Rio de Janeiro, têm apenas um, o

35

que implica em centralização excessiva. Nos estados em que não há HCTP, essas

pessoas realizam o tratamento em hospitais comuns, cuja equipe não é

suficientemente treinada para trabalhar com estes pacientes ou, pior, estão em

penitenciárias comuns.

A falta de recursos financeiros e de pessoal especializado tem se constituído

em grande dificuldade dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

Foi revogada a Portaria Interministerial nº 628/2002, que instituiu o Plano

Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, que incluía ações de saúde mental nas

penitenciárias e manicômios judiciários da seguinte forma:

ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL:

Ações de prevenção dos agravos psicossociais decorrentes do confinamento;

Diagnóstico e tratamento dos agravos à saúde mental dos internos;

Atenção às situações de grave prejuízo à saúde decorrente do uso de álcool e

drogas, na perspectiva da redução de danos;

Desenvolvimento de programa de atendimento em saúde mental centrado na

reabilitação psicossocial para os hospitais de custódia e tratamento

psiquiátrico.

A Portaria Interministerial nº 1777/GM, de 9 de setembro de 2003, que

revogou a Portaria Interministerial 628/2002, aprovou novo Plano Nacional de Saúde

no Sistema Penitenciário, definindo que a partir desta portaria, os estados que

aderirem ao Plano devem estruturar ações de redução de danos e atenção à saúde

mental, no nível de atenção básica, nos estabelecimentos prisionais, da seguinte

forma:

ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL:

Ações de prevenção dos agravos psicossociais decorrentes do confinamento;

36

Atenção às situações de grave prejuízo à saúde decorrente do uso de álcool e

drogas, na perspectiva da redução de danos.

Assim, estas pessoas que já estavam excluídas da assistência proporcionada

pelo SUS pela impossibilidade do acesso, passaram a não contar com a obrigação

dos estabelecimentos prisionais de prestar assistência integral em saúde mental.

37

V - NECESSIDADES BRASILEIRAS

Segundo o IBGE, em 07/03/2006 a população brasileira era de 185.770.630

de habitantes.

Segundo o Ministério da Saúde, 21% da população brasileira (39 milhões de

pessoas) necessita ou vai necessitar de atenção e atendimento em algum tipo de

serviço de Saúde Mental.

O Ministério da Saúde separa três grupos de portadores de transtornos

mentais:

Grupo 1: 3% da população geral que sofre com transtornos mentais graves e

persistentes. Este grupo necessita de atenção e atendimento mais intenso e contínuo

em Saúde Mental. Seriam em torno de 5,5 milhões de pessoas que necessitariam de

atenção e atendimento mais intenso em serviços de maior complexidade.

Grupo 2: 6% da população que apresenta transtornos psiquiátricos graves

decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Este grupo também necessita de

atenção específica e atendimentos constantes. Seriam algo em torno de 11 milhões de

pessoas no Brasil.

Grupo 3: 12% da população que necessita de algum atendimento em Saúde

Mental, seja ele contínuo ou eventual. Este grupo, no qual estão incluídos os

inadequadamente denominados “males menores”, é o que mais cresce atualmente.

Nele estão inseridos os paciente com transtornos depressivos e ansiosos. É o grupo

que lota os serviços extra-hospitalares e constitui-se numa das maiores causas de

afastamento no trabalho. Necessitam de acompanhamento ambulatorial específico.

Seria um total de 22 milhões de pessoas no Brasil.

38

Pesquisa realizada no Brasil no ano de 2000 indicava que 23% dos moradores

de rua apresentavam problemas mentais graves. Pesquisas semelhantes realizadas

nos Estados Unidos da América (EUA) apontavam que entre 30 à 70% da população

de “homeless” tinha doenças mentais graves. Pergunta-se: O Brasil tem melhores

condições sociais e econômicas que os EUA? Temos uma infra-estrutura básica de

saúde mais eficiente que a americana?

A Portaria nº 32, de 22/01/1974, preconizava 1 leito para cada mil habitantes

na zona urbana e 0,5 por mil habitantes na zona rural (média de 0,75 leitos por mil

habitantes) e a Portaria nº 1.101, de 12/06/2002, do Ministério da Saúde, preconiza

0,45 leitos psiquiátricos por mil habitantes. Não existem portarias do Ministério da

Saúde estabelecendo os parâmetros atuais para consultas psiquiátricas e para outras

formas de atendimento em saúde mental.

39

VI - MODELOS ASSISTENCIAIS EM SAÚDE MENTAL

PELO MUNDO

Escolhemos para comparação países que já passaram por reformas em seus

Modelos Assistenciais em Saúde Mental e ainda os estão aprimorando, nos quais

reconhecidamente a assistência em Saúde tem qualidade, embasamento científico,

capacidade e reconhecimento internacional,

CANADÁ

O Canadá gasta em média 11% do orçamento total da assistência à Saúde

com a Saúde Mental. Tem uma rede de atenção integral em Saúde Mental, onde os

mais diversos serviços não concorrem entre si, mas trabalham de forma harmônica e

integrada.

Atenção Primária: A Saúde Mental é parte integrante do Sistema Básico de

Saúde tendo psiquiatras em parte da rede e médicos treinados para detectar

transtornos mentais dos pacientes com transtornos mais leves. Têm na rede básica,

além do médico, pessoal técnico de apoio (enfermeiros, assistentes sociais e outros)

treinado em saúde mental, tratando e resolvendo cerca de 50% dos problemas de

saúde mental já na rede básica.

Atenção Secundária: Os serviços de Saúde Mental no nível secundário

representam um estágio intermediário de complexidade da assistência, atendendo a

demanda que os serviços de nível primário não conseguiram tratar ou entenderam

que, devido ao grau de gravidade ou a complicações deveriam ser encaminhados para

serviços com maior resolutividade.

Os serviços são compostos por:

Ambulatórios Psiquiátricos de Especialidades;

Centros Comunitários com atenção e atendimento especializado em

Saúde Mental;

40

Atendimento domiciliar em Saúde Mental (quando necessário);

Internações parciais e observações diárias em Centros Especializados.

Atenção Terciária: Quando os dois tipos de atenção, em menor grau de

complexidade, não solucionaram os casos, os pacientes são encaminhados para

internações psiquiátricas. Embora este seja o último recurso usado, devido à sua

complexidade e ao seu elevado custo e mesmo tendo reduzido seus leitos

psiquiátricos nos últimos anos, ainda assim o Canadá tem um índice de 1,93 leitos

psiquiátricos para cada mil habitantes, divididos da seguinte forma:

0,91 leitos em Hospitais Psiquiátricos especializados;

0,50 leitos psiquiátricos em enfermarias de Hospitais Gerais para

internações de curtíssima permanência e /ou pacientes psiquiátricos

com problemas clínicos;

0,52 leitos psiquiátricos para “outros tipos de internações” (asilares,

longa permanência, fora de possibilidade terapêutica, etc).

INGLATERRA

Atualmente a Inglaterra destina cerca de 10% do total do orçamento da área

da Saúde em Saúde Mental. Conta com uma rede de atenção integral em Saúde

Mental em todos os níveis de complexidade.

Seus principais esforços concentram-se na prevenção, na atenção primária

diretamente ligada as unidades básicas e comunidades e um forte investimento na

atenção secundária com inúmeros tipos de serviços oferecidos a seus cidadãos.

Entretanto, mesmo com estes serviços em pleno funcionamento conta com 0,58 leitos

psiquiátricos por mil habitantes, considerados insuficientes para a demanda.

Entendem que o baixo número de leitos tem gerado um efeito cascata superlotando

serviços de menor complexidade limitando sua eficácia.

41

Segundo Dratku, os serviços de Saúde Mental no Reino Unido sempre se

orgulharam de estar entre os melhores do mundo, introduzindo inovações e padrões

de assistência adotados como modelo em outros países. Em 1990 o Governo Inglês

determinou a desativação dos grandes hospitais Psiquiátricos e promulgou o

“Community Care Act 1990”, um pacote legislativo estabelecendo que o tratamento

e reabilitação dos pacientes psiquiátricos deveriam ocorrer na comunidade. Dos cerca

de 150.000 leitos psiquiátricos existentes no país ficaram pouco mais de 40.000. Tal

processo que deveria ter ocorrido concomitante à implementação de serviços de

Saúde Mental na comunidade. Tais serviços iriam não somente substituir o

tratamento hospitalar, mas, sobretudo oferecer aos pacientes desospitalizados uma

alternativa radicalmente melhor de assistência médica e social, além de promover a

sua reintegração no meio comunitário. O programa Conservador de redução do

número de leitos psiquiátricos provou ser, na verdade, parte de um programa mais

abrangente de redução de todos os leitos hospitalares no país com conseqüente

redução dos gastos com saúde.

Uma das grandes premissas era que a “comunidade” representaria um espaço

mais benéfico, acolhedor e humano para os doentes mentais que a vida intramuros do

hospital e, portanto, ofereceria oportunidade para reabilitação e reintegração social

não disponível ao paciente hospitalizado. A premissa seria a de que o ambiente

hospitalar restringe, oprime e “institucionaliza” os seus desafortunados usuários.

Contudo, nunca houve uma preocupação em definir melhor o que entendiam por

“comunidade”, e muito menos em se certificar que tipo de acolhida estaria à espera

dos pacientes “desinstitucionalizados”.

Infelizmente o número de doentes mentais desabrigados (“homeless”) se

multiplicou. Afastados ou abandonados por suas famílias, sem trabalho ou qualquer

outro vínculo social, fora do alcance dos serviços públicos e, sobretudo, sem

qualquer cuidado ou tratamento (psiquiátrico, médico geral ou de outra ordem) esse

grupo começou gradativamente a ocupar os leitos psiquiátricos reservados a

42

pacientes agudos. Dirigindo-se por iniciativa própria aos hospitais, trazidos pela

polícia ou assistentes sociais e sem ter para onde ir, passaram a permanecer meses a

fio nas enfermarias, que chegavam a ter até 120% de ocupação e, desprovidas dos

recursos necessários para o desempenho de suas funções, estas unidades hospitalares

deterioraram a ponto de serem descritas como ineficazes, ineficientes e

desorganizadas.

Essa população carente e, com transtornos mentais, passou a enfrentar

obstáculos à internação, principalmente de casos agudos. Ao invés de oferecer

tratamento para casos agudos em regime de internação breve, tarefa que lhes

competia desempenhar, as enfermarias se tornaram “depósitos” de pacientes graves

desabrigados, embora ainda fossem obrigadas a oferecer assistência aos casos agudos

que continuavam a chegar.

No lugar da “comunidade idealizada”, onde teriam vidas livres, dignas e

plenas, os pacientes “desinstitucionalizados” viram-se envolvidos no abandono ou no

aparato semipolicial da “comunidade real”. Para aqueles sem alternativas,

especialmente entre os pacientes “desinstitucionalizados”, as oportunidades eram

aquelas oferecidas pelos abrigos supervisionados, albergues de curta permanência

(“bed-and-breakfast”), instituições de caridade e centros comunitários, onde

transitavam sob o olhar alerta e desconfiado da comunidade que, a contragosto, os

acolhera.

Em 1990, John Wing, Professor Emérito de Psiquiatria Social e Diretor da

Unidade de Pesquisa do Royal College of Psychiatrists refletiu sobre as supostas

virtudes atribuídas à comunidade: “No uso cotidiano, algumas palavras tendem a

adquirir uma conotação que deve mais à emoção que à razão. Asilo é uma delas.

Popularmente, o seu significado tende a ser restrito à casa de loucos do século

XVIII. A comunidade, por outro lado, tende a ser vista como uma vizinhança coesa e

prestativa, embora haja muito poucas do gênero nas sociedades industrializadas.

43

Desse modo, ‘Asilo’ se torna uma tia perversa e inconveniente, ao passo que viver

na comunidade torna-se um objetivo de louvor e administrativo em si mesmo”.

Quanto à pregação entusiasmada da “psiquiatria na comunidade” como o antídoto

para os males do tratamento hospitalar, explicitou: “Muitas das funções dos grandes

hospitais psiquiátricos eram funções de asilo. Na medida em que a estrutura dos

serviços mudou e o papel do grande hospital diminuiu, tendeu-se a se esquecer da

necessidade de cobrir essas funções, em parte porque se pensou que, quando muito,

estas não iam além da simples proteção. Esse ponto de vista não pode ser

sustentado. As funções de asilo sempre envolveram tanto refúgio como recuperação.

‘Community care’ virá a merecer o ódio hoje associado às piores práticas dos

velhos tempos se a tradição de asilo praticada nos melhores dos grandes hospitais

não for reconhecida, inserida nos recursos terapêuticos da psiquiatria e destacada

como de alta prioridade no planejamento dos serviços”.

Em fevereiro de 1994, uma Força Tarefa de Saúde Mental do governo inglês

recomendou que o fechamento dos hospitais psiquiátricos de Londres fosse

interrompido, até que as autoridades de saúde estivessem certas de que serviços

alternativos efetivos estejam disponíveis. Eles salientaram os riscos para os pacientes

e para a população resultantes das altas precoces, e o custo decorrente de ter que

encaminhar esses pacientes para atendimento psiquiátrico conveniado fora de

Londres, um milhão de libras esterlinas por ano. A ineficácia dessas propostas

repercute na questão dos doentes mentais desabrigados. Ser pobre e sem-teto é muito

pior se a pessoa estiver doente, estatísticas sugerem que até 50% dos desabrigados

nas grandes cidades sejam doentes mentais. Cada vez mais, eles são casos novos que

poderiam ser atendidos em uma ampla rede que incluísse bons hospitais

psiquiátricos.

Devido a experiências desastrosas como essa, a Organização Mundial de

Saúde recomendou que fossem mantidas as opções de residência hospitalar para

pacientes que necessitem de cuidados intensivos de alta qualidade e sejam incapazes

44

de levar vida mais independente, e sugere que não se fechem os hospitais enquanto

as alternativas não estiverem implantadas na comunidade. Entretanto, nem sempre

será possível atingir a meta ideal traçada pela OMS.

O tratamento hospitalar é necessário para uma proporção substancial dos

pacientes psiquiátricos, uma realidade clínica que os entusiastas do projeto tentaram

ignorar ou negar. Algumas constatações de ordem prática foram aprendidas pelo

governo inglês:

Em várias circunstâncias o atendimento na comunidade não representa uma

alternativa viável ao atendimento hospitalar;

Os serviços de saúde mental na comunidade se tornam inoperantes quando

não podem contar com serviços hospitalares que sejam efetivos, bem

estruturados e de fácil acesso, e

Que se superestimou a capacidade da sociedade e da comunidade em tratar

dos pacientes com transtornos mentais sendo que os serviços hospitalares

foram negligenciados ou no mínimo subestimados.

Tornou-se claro e incontestável que as ambições do tratamento em

comunidade jamais poderiam ser satisfeitas na falta do ingrediente essencial para o

funcionamento dos serviços, os leitos hospitalares. Apesar do privilégio do

“Community care”, um terço dos pacientes tiveram que ser reinternados em

hospitais.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Nos Estados Unidos da América o financiamento da Saúde Mental consome

cerca de 6% de todo o orçamento da área de Saúde, entretanto esta não e a única

fonte de recursos pois estes provêm também de seguros saúde e de outras fontes não

estatais elevando os gastos a níveis não mensurados mas bem superiores a este.

45

Existe uma rede de atenção em saúde mental em todos os níveis de

complexidade do atendimento aos portadores de transtornos mentais.

No nível básico de atenção primária existe a detecção e o tratamento dos

acometimentos menores; no nível secundário há um atendimento voltado ao paciente

diretamente nas comunidades com serviços em centros comunitários, ambulatório

especializado, internações similares aos hospitais dia, casas monitoradas e ligadas

aos centros de atendimento, etc.

Mesmo com todo este aparato de atendimento ainda se faz necessário a

manutenção de serviços no nível terciário sendo mantido um índice de 0,95 leitos

psiquiátricos por mil habitantes, distribuídos da seguinte forma:

0,35 leitos em Hospitais Psiquiátricos Especializados,

0,20 leitos psiquiátricos em unidades psiquiátricas em Hospitais Gerais, e

0,40 leitos psiquiátricos para outros tipos de internações (asilares, longa

permanência, fora de possibilidades terapêuticas, etc).

As idéias de desospitalização e desinstitucionalização nos EUA surgiram por

volta dos anos 60, no plano de Saúde Mental do governo Kennedy e, importante

destacar, que se alinhavam aos fundamentos das políticas neoliberais de contenção

de gastos e transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil, sem

a devida contrapartida de serviços essenciais à população necessitada.

Na realidade a redução de leitos significou diminuição dos custos da

assistência para os cofres públicos. Não se preocuparam e nem fizeram uma real

transformação na assistência oferecida ao portador de doença mental. A mudança

implicou na desassistência de milhares de pessoas que se encontravam internadas nos

hospitais e passaram a perambular pelas ruas das grandes cidades. De forma artificial

reprimiram a demanda aos serviços e, efetivamente, reduziram a responsabilidade do

Estado para com essas pessoas e seus familiares. Estudos realizados em diversos

46

estados americanos apontam para um percentual entre 30% e 70% de doentes

mentais graves entre a população de “homeless”.

O que realmente propiciou uma melhora dos pacientes e parte de sua

ressocialização foi o advento dos medicamentos antipsicóticos, como a

Clorpromazina que se tornou disponível em meados dos anos 50, mantendo os

quadros psicóticos dos pacientes controlados o suficiente para serem tratados

ambulatorialmente.

Entre a assinatura de Kennedy na lei de Saúde Mental em 1963 e a sua

expiração em 1980, o número de pacientes em hospitais psiquiátricos caiu cerca de

70%. Os centros comunitários de Saúde Mental da nação não conseguiram lidar com

os pacientes que foram “liberados” das instituições. Não havia suficientes psiquiatras

e profissionais da área de Saúde Mental.

Leis civis liberais ganharam ímpeto nos anos 70 e tornaram, insensatamente,

difícil para os juízes mandar recolher e internar pacientes que tinham uma recaída,

mas que recusavam tratamento. Os que eram “dispensados” dos hospitais, em sua

maioria, fracassavam na comunidade e voltavam rapidamente para as instituições,

dando origem ao fenômeno chamado de “porta-giratória”. E estes eram os com sorte,

pois muitos outros acabavam morando nas ruas ou, em pensões baratas e decadentes,

ou nas prisões.

Um relatório feito em 2003 pela Comissão de Direitos Humanos de Nova

York, mostrou que as prisões e cadeias continham três vezes mais pessoas com

doenças mentais que os hospitais psiquiátricos daquele país. O estudo confirmou o

que os institutos de saúde mental já sabiam: o “encarceramento em prisões” se tornou

o tratamento padrão da nação em relação às doenças mentais. Uma questão ainda

maior foi colocada: o que se pode fazer para evitar que outros doentes mentais

acabassem atrás das grades?

47

Com 3.400 prisioneiros mentalmente enfermos a Prisão Municipal de Los

Angeles funciona como a maior instituição para pacientes psiquiátricos dos Estados

Unidos. A ilha de Rikers em Nova Iorque, com 3.000 prisioneiros doentes mentais é

a segunda. A vida nestas instituições é um pesadelo para as pessoas com doenças

mentais, que são alvo de manipulações cruéis e de abusos. Chegaram a este ponto, na

verdade, com a melhor das intenções.

Em 1963 o presidente Kennedy assinou o “Ato dos Centros de Saúde Mental”

através do qual os grandes hospitais estaduais de doenças mentais dariam espaço às

pequenas clínicas comunitárias. A fria clemência do isolamento custodial seria

suplantada pelo calor da capacidade e da preocupação da comunidade.

Colocar os doentes mentais prisioneiros em unidades de tratamento ajudaria,

mas a solução seria manter as pessoas psicóticas, cujas infrações criminais são um

produto de sua doença, fora das prisões. Isto requer a reparação de um sistema de

tratamento em saúde mental fragmentado.

A mudança mais freqüentemente proposta é a liberação dos hospitais

estaduais da camisa de força das regulamentações, pois, infelizmente, cerca de

metade de todas as pessoas sem tratamento com transtornos psicóticos não

reconhecem que há algo de errado com elas.

Procuram formas de ajudar pacientes que têm um padrão consistente de

rejeitar cuidados voluntários, abandonando a medicação, engajando-se em sua

autodestruição ou tornando-se um perigo para os outros.

Infelizmente, para milhares de pessoas com problemas mentais,

principalmente as de mais baixa renda, a América falhou em “fazer o bem” com a

48

promessa de John Kennedy: foram liberados dos grandes hospitais, mas acabaram

sem assistência ou nas prisões.

Resumo comparativo:

CANADÁ INGLATERRA USA BRASIL

Atenção

Primária

Muito bem

estruturada,

eficiente e

eficaz.

Suficiente.

Bem estruturada,

eficiente e

sobrecarregada.

Estruturada e

Sobrecarregada.

Praticamente

inexistente.

Atenção

Secundária

Muito bem

estruturada,

eficiente e

eficaz.

Suficiente

Muito bem

estruturada,

eficiente e

sobrecarregada

Estruturada e

sobrecarregada

Mal estruturada,

insuficiente e

sobrecarregada.

Atenção

Terciária

Muito bem

estruturada,

eficiente e

Eficaz.

Suficiente:

(1,92 leitos

psiquiátricos por

mil habitantes).

Bem estruturada,

insuficiente e

sobrecarregada:

(0,58 leitos

psiquiátricos por

mil habitantes).

Estruturada,

insuficiente e

sobrecarregada:

(0,95 leitos por

mil habitantes).

Mal estruturada,

insuficiente e

sobrecarregada:

(0,23 leitos por

mil habitantes).

49

VII - PROPOSTA DE DIRETRIZES PARA UM MODELO

DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL

NO BRASIL

Qualquer projeto que se deseje viável, faz necessário sua adequação a

parâmetros compatíveis com a realidade. O conhecimento da evolução do processo

no qual se pretende intervir é fundamental, pois dele é que advêm os ensinamentos

que não nos permitirão propor ações já malogradas e nos possibilitarão consagrar

aquelas que não contrariem a boa experiência vivida.

Cientes das dimensões continentais do Brasil e de suas diferenças

socioeconômicas locais e regionais, a ABP apresenta as diretrizes para um Modelo

de Assistência Integral em Saúde Mental. Levamos em conta a realidade de nosso

país, as necessidades da população e observamos fielmente o que preceitua a Lei

10.216/2001 que contempla a integralidade na assistência em saúde mental.

Não estamos propondo um modelo rígido, mas sim diretrizes para um modelo

de assistência integral que possa ser aperfeiçoado continuamente na busca do ideal.

Os diversos serviços devem contar com equipes interprofissionais, onde seus

componentes atuem integradamente, cada um exercendo o papel que lhe é próprio,

fazendo aparecer as relações de colaboração existentes entre todos, sempre em

benefício do paciente.

Um Modelo de Assistência Integral em Saúde Mental deve contar com o

princípio de integração entre os diversos serviços, que devem funcionar de forma

harmônica, complementando-se, não se opondo nem se sobrepondo um ao outro, não

concorrendo e nem competindo entre si. Para isto é fundamental a definição clara das

50

funções de cada serviço e de um sistema de referência e contra-referência entre os

diversos serviços.

Seguindo-se a Lei 10.216/2001 precisamos contar com os seguintes

parâmetros de atenção e serviços:

NÍVEL PRIMÁRIO:

Promoção e Prevenção

�� Campanhas para reduzir o estigma dos portadores de transtornos

mentais, incluindo orientação à população em relação às doenças

mentais e o apoio à criação e ao fortalecimento de associações de

familiares e portadores de transtornos mentais.

�� Orientação contínua para os integrantes de comunidades específicas,

tais como escolares, religiosas, de grupos responsáveis por resgate

atendimento pré-hospitalar e outras.

�� Programas de orientação, esclarecimento e suporte às famílias de

doentes mentais, especialmente de crianças, adolescentes e idosos,

mas também de pacientes adultos incapacitados, que dependem da

família emocional e financeiramente.

�� Ampla divulgação dos serviços de saúde mental, assim como

orientação da forma como procurá-los e utilizá-los, proporcionando a

detecção e tratamento precoce dos acometidos de transtornos mentais.

51

�� Treinamentos contínuos e específicos para os integrantes das equipes

multiprofissionais, orientando as competências e responsabilidades de

cada um dos profissionais e de como executá-las.

Tais investimentos resultarão em economia na medida em que a detecção e o

tratamento precoces contribuam para uma menor perda de capacidade do paciente.

Unidades Básica de Saúde (UBS)

�� Treinamento de médicos do Programa de Saúde Mental de Família

(PSF) e Unidades Básica de Saúde (UBS), de acordo com os critérios

estabelecidos pelas diretrizes da ABP, AMB e CFM para identificar,

tratar e encaminhar aos serviços especializados os casos de

transtornos mentais que não consigam tratar, construindo um sistema

de referência e contra-referência.

�� Esse sistema de referência e contra-referência deve ser estruturado

através da ação de equipes matriciais, ligados à rede de saúde mental

(serviço de saúde mental de referência para uma determinada

população) que será responsável por dar suporte técnico e de

supervisão, através das técnicas de interconsulta e consulta conjunta

para um determinado número do PSF e UBS.

�� Criar programas de promoção, prevenção e intervenções terapêuticas

em saúde mental específicas para a atenção primária, elaborando

Diretrizes, a serem implantadas conjuntamente pelas equipes de

atenção primária com Equipes Matriciais.

52

NIVEL SECUNDÁRIO:

Centro de Atenção Médica, Psicológica, Esportiva e Social (CAMPES)

Serviço que funcione de acordo com seus programas de atendimento e

público alvo específico, contando com equipe multiprofissional completa

necessária para desenvolver os programas da unidade. O CAMPES deverá

ser estruturado seguindo os ditames da Lei 10.216 que prevê assistência

integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços

médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

Deverá proporcionar atendimento mais intensivo que o ambulatório tanto em

duração como em freqüência de atendimento. Será um serviço intermediário

entre o ambulatório e a internação. Os CAMPES serão estruturados em três

níveis de complexidade. No CAMPES I, em regiões do país em que haja

carência de psiquiatras, aceitar-se-ia temporariamente que o médico não

fosse especialista. Nos CAMPES II e III o médico será necessariamente um

psiquiatra registrado como tal no Conselho Regional de Medicina.

Ambulatório Psiquiátrico Geral e Especializado

Serviço de atendimento essencialmente médico organizado de acordo com a

demanda existente em cada local, inserido ou não em ambulatório médico

geral, e que sempre faça a distribuição gratuita dos medicamentos prescritos.

Deverão ser observadas a localização geográfica e a população a ser assistida.

O atendimento ambulatorial é eficaz no tratamento e controle das doenças

mentais e quando combinado com a dispensação de medicamentos mostra

uma elevada taxa de resposta terapêutica com baixo custo.

53

NIVEL TERCIÁRIO:

Hospital Dia e Hospital Noite

Serviços destinado a hospitalização parcial para pacientes que não necessitem

permanecer em tempo integral no hospital, mas apenas parte do dia. Muitos

pacientes que seriam hospitalizados podem ser mais bem atendidos neste

serviço e outros tantos poderiam ter o seu tempo de internação integral

abreviado sendo referenciados para o hospital parcial antes de passar para o

CAMPS ou ambulatório.

Centro de Atendimento Integral em Saúde Mental (CAISM)

O Centro de Atendimento Integral em Saúde Mental situa-se tanto na atenção

primária, como na secundária e terciária, pois contemplaria um atendimento

completo em todos os níveis de complexidade (promoção, prevenção,

ambulatório, pronto socorro, CAMPES, hospital parcial e hospital para

internação em tempo integral). O CAISM, preferencialmente uma instituição

de ensino, seria ideal para algumas regiões e localidades. Hospitais já

existentes poderiam ser transformados em CAISMs, constituindo-se em

centros de excelência no atendimento psiquiátrico.

Unidade Psiquiátrica em Hospital Geral

Serviços destinados a internações de pacientes agudos, em princípio de curta

permanência para pacientes psiquiátricos sem intercorrências ou para

pacientes psiquiátricos com intercorrências clínicas ou cirúrgicas que

necessitem de internação em hospitais gerais.

54

Hospital Psiquiátrico Especializado

Serviços destinados a atender pacientes que necessitem cuidados intensivos

cujo tratamento não é possível ser feito em serviços de menos complexidade.

Os hospitais especializados receberiam pacientes em crise e tão logo remitido

o quadro agudo seriam referenciados para outro serviço do sistema.

Unidade de Emergência Psiquiátrica

Unidade de pronto socorro psiquiátrico, aberta em tempo integral (24 horas

por dia), com leitos para acolher pacientes em crise, em curtíssima

permanência (até 24 horas).

Teríamos unidades de emergências psiquiátricas específicas, em hospitais

psiquiátricos, e unidades de emergências psiquiátricas em hospitais gerais,

estas destinadas a atender doentes mentais que apresentam problemas clínicos

variados que necessitam de avaliação conjunta de vários profissionais da área

médica durante o atendimento de emergência.

As unidades de emergência deverão estar articuladas com o SAMU. Nas

cidades maiores o SAMU deverá ter uma ambulância específica para o

atendimento pré-hospitalar de pacientes psiquiátricos, a qual deverá contar

com pessoal especializado e ser equipada adequadamente para estes

atendimentos.

PROTEÇÃO SOCIAL:

Serviço de Residência Terapêutica I

55

Serviço destinado a pacientes com autonomia, sem necessidades clínicas de

internação, que não contam com o apoio da família. Os moradores terão como

referência um serviço de saúde mental.

Serviço de Residência Terapêutica II

Serviços destinados a pacientes com a autonomia comprometida, sem

necessidades clínicas de internação, que não contam com o apoio da família.

Os moradores terão como referência um serviço de saúde mental.

Centro de Convivência

Serviço destinado à convivência de pessoas, com variados graus de

comprometimento, para recreação e convívio. Nestes centros poderão

utilizadas técnicas de reabilitação, com profissionais de nível superior, a

exceção de médicos.

Os centros de convivência estariam referenciados a um serviço de assistência

de nível secundário.

56

Rede de Atenção Integral em Saúde Mental

(Conforme Lei 10.216/2001)

Atenção Primária

Médicos clínicos do PSF

e UBS: identificar, tratar

ou encaminhar aos

serviços especializados os

doentes mentais, num

sistema de referência e

contra-referência.

Atenção Secundária

Serviços Especializados:

Ambulatórios e

CAMPES.

Atenção Terciária

Hospital Dia, Hospital

Noite, CAISM,

Unidade Psiquiátrica

em Hospital Geral e

Hospital Psiquiátrico

Especializado.

Atendimento de

Emergência

Unidade de pronto socorro

para Crises. Local de

“passagem” de curtíssima

permanência.

Proteção Social

Residência Terapêutica I e II

e Centro de Convivência

57

PROGRAMAS ESPECÍFICOS:

PROGRAMA DE ATENÇÃO ESPECÍFICA PARA CRIANÇAS E

ADOLESCENTES NOS TRÊS NÍVEIS

Os problemas psiquiátricos na infância e na adolescência atingem entre 15 a

20% da população, com predomínio dos transtornos no comportamento disruptivo e

transtornos emocionais (Lai, 2000). Seu cuidado depende da própria psicopatologia

bem como das famílias envolvidas.

Fatores de risco podem ser considerados aqueles que alteram o

desenvolvimento da criança incluindo-se entre eles prematuridade, problemas pré- e

perinatais, atrasos no desenvolvimento, problemas comportamentais, doenças

crônicas ou deficiências. Envolvem também patologias familiares e dificuldades

sociais. Assim, a interação entre a vulnerabilidade individual e as adversidades

ambientais estabelecem o fator de risco. Alguns desses casos podem ser considerados

de extrema importância quando da sua inserção em um hospital geral, escola ou

creche.

Levando-se em conta essas breves considerações, evidente que um projeto de

Saúde Mental terá por meta, em primeiro lugar, pensar a criança e o adolescente

enquanto populações características, com universos próprios e manifestações

comportamentais típicas.

Entretanto, mais que a mera ausência de doença, a saúde comporta um, assim

chamado estado de bem estar biopsicossocial, constituindo-se em um estado ativo

para onde confluem elementos físicos, familiares, sociais, pessoais, administrativos,

escolares e outros, todos desembocando de maneira geral, naquilo que, de maneira

simplista, poderíamos agrupar sob a denominação genérica de qualidade de vida da

criança.

58

Esse processo, quanto menor é a criança, mais dependente se torna do grupo

familiar que, principalmente da mãe, quem habitualmente percebe todo e qualquer

desvio nesse estado de bem estar.

Na medida em que a criança se desenvolve a escola passa também a

desempenhar esse papel, constituindo-se, juntamente com a família, no universo da

criança.

Criança

Família

Escola

Professores

Pedagogos

Relação

interdisciplinar

Psiquiatras da

infância

Psicólogos

Assistentes

Sociais

Visando-se a implantação de um projeto de Saúde Mental da Criança e do

Adolescente podemos estabelecer os seguintes passos básicos:

ATENÇÃO PRIMÁRIA

59

1. Inserção de módulo referente a Saúde Mental nas programações escolares de

primeiro e segundo graus, enfocando os principais problemas da área.

2. Sistematização da aplicação de diferentes escalas de “screening” para doença

mental em sentido amplo bem como para diferentes quadros da infância e

adolescência nas próprias escolas.

3. Sistematização de avaliação de “Qualidade de Vida” das crianças atendidas

nos serviços escolares.

4. Avaliação dos eventuais distúrbios de aprendizado e de comportamento

surgidos em ambiente escolar.

5. Revisão do ambiente escolar visando à minimização dos fatores de estresse.

6. Elaboração de Guia de Saúde Mental visando o esclarecimento de pais e

professores quanto aos principais problemas da área bem como a

uniformização de condutas a serem estabelecidas. Esses guias podem ser

utilizados em escolas e creches (visando-se estimulação de bebês), com

treinamento para uso e supervisão periódica das equipes de retaguarda.

ATENÇÃO SECUNDÁRIA

Ambulatório Infantil

O Ambulatório é o ponto central do sistema, a partir do qual todos os

pacientes são registrados e se iniciam os processos de diagnóstico e tratamento não

passíveis de terem sido efetuados nos Serviços Básicos em função de sua

complexidade ou gravidade. Atendem assim, preferencialmente: quadros de agitação,

60

casos psicopatológicos específicos inacessíveis a abordagem em serviços básicos de

saúde e psicoses em geral.

A partir desse atendimento, estabelece-se o diagnóstico e os

encaminhamentos aos diferentes setores de atendimento uma vez que atendimento

fonoaudiológico, psicológico, psicoterápico e de terapia ocupacional também são

realizados.

Programas de psicoterapia breve, a maior parte das vezes dirigidos à

adolescentes devem estar presentes.

Brinquedoteca Terapêutica

Tem como objetivo favorecer a melhora da qualidade de vida de pacientes

registrados em um Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência, bem como

de suas famílias. Seu objetivo é propiciar a interação grupal e a aceitação de regras e

limites necessários ao convívio social através do brincar, orientando as famílias

quanto à possibilidade de desenvolvimento psicossocial de suas crianças e/ou

adolescentes. Para tanto utiliza, enquanto metodologia, atividades lúdicas que usam o

brinquedo como objeto intermediário e facilitador, e orienta pais individualmente ou

em grupo. Atende assim crianças até 12 anos ou mais velhas se apresentarem

dificuldades cognitivas e sociais acentuadas.

Interconsulta

Supre a demanda de atendimento clínico em enfermaria de Pediatria e fornece

suportes adequados à família dos pacientes atendidos nesses serviços bem como às

diferentes equipes visando à minimização dos efeitos da internação ou mesmo do

atendimento ambulatorial bem, como a melhoria da qualidade de vida desses

pacientes. Em um hospital geral esta atividade tem fundamental importância e por

61

isso deve ser privilegiada. Na escola, o atendimento é predominantemente

psicológico visando a detecção dos principais problemas de aprendizado ou

comportamentais que dificultam o desempenho ou a inserção da criança, sendo essas

questões discutidas com a equipe escolar e as sugestões de intervenção propostas e

supervisionadas pelo profissional responsável.

ATENÇÃO TERCIÁRIA

Hospital-Dia Infantil

Serviços onde se desenvolvem programas caracterizados pela flexibilidade,

pela diminuição do trauma de separação da criança de suas famílias, pelo

envolvimento dos serviços da comunidade e pela possibilidade, concomitante, de

manipulação do ambiente infantil. Estes serviços são indicados para observação,

manipulação das condutas, determinação dos níveis de desenvolvimento e propiciam

ambiente terapêutico que possibilita a redução de transtornos comportamentais.

Assim, destinam-se a crianças pré-escolares com transtornos comportamentais, abuso

infantil e problemas familiares, psicoses na infância, transtornos de desenvolvimento

e vítimas de abuso.

Enfermaria Infantil

Serviços que são utilizados em poucos casos, inabordáveis sob quaisquer

outras formas, de caráter agudo e por pequeno período de tempo até que os

problemas mais emergentes sejam minimizados e os pacientes possam ser inseridos

em outros programas. As internações são realizadas quando não há condições

médicas de tratamento ambulatorial sendo a indicação avaliada pela supervisão da

enfermaria. Dessa maneira, a medida em que outros modelos terapêuticos mostram

sua eficácia (ambulatório, brinquedoteca, hospital-dia e outros) o índice de

internações diminui sem a necessidade de sua regulamentação.

62

Assim, as indicações para o tratamento hospitalar podem ser resumidas da

seguinte maneira (Green, 1995): Distúrbios graves e persistentes que constituem

ameaça a vida (depressão, suicídio, distúrbios alimentares, distúrbios obsessivos,

encoprese intratável, psicoses, conversão histérica); Esclarecimento diagnóstico ou

das indicações terapêuticas; Distúrbios emocionais graves; Avaliação dos cuidados

maternos quando há risco para a criança (S. Munchausen); Estados de crise.

Os pacientes são internados juntamente com um familiar para que seja

preservado o vínculo mãe-filho, importante sob o ponto de vista terapêutico. Tal

atitude mostra-se de grande importância na diminuição do número de internações

bem como no índice de reinternações.

Um programa assim, por sua abrangência, deve possuir uma equipe

complexa, fato esse que nos defronta com nossa realidade, extremamente carente na

formação de psiquiatras da infância e da adolescência pelo pequeno privilégio que a

especialidade tem tido nos programas de formação em nível de graduação e pósgraduação.

Isso fica visível se pensarmos que conforme o Children Act 1989

(Wallace, 1997) cerca de 20% das crianças necessitarão passar por serviços de Saúde

Mental durante sua infância em função de problemas de desenvolvimento ou de

saúde mental.

PROGRAMA DE ATENÇÃO ESPECÍFICA PARA IDOSOS NOS TRÊS

NÍVEIS

Com o aumento da expectativa de vida e do número de pessoas acima de 65

anos de idade, o impacto sobre gastos com saúde e previdenciários adquire capital

importância, visto que idosos são responsáveis por uma ampla fatia dos custos

envolvidos com oferecimento de serviços de saúde. No caso específico da psiquiatria

63

geriátrica, é conhecido o aumento progressivo da prevalência de transtornos

cognitivos, mais acentuadamente os transtornos demenciais, à medida que avança a

idade. A prevalência de doença de Alzheimer é de 1% aos 65 anos e alcança até 20%

a partir de 85 anos, apenas para citar um exemplo. Outro tema de igual importância e

magnitude é a depressão no idoso, tão prevalente quanto a doença de Alzheimer.

Outrossim, a depressão em idosos é o que se conhece como um dos quatro

gigantes de geriatria, sendo os outros três a demência, quedas e infecções.

A dependência para atividades de vida diária nos idosos é, ao lado dos

quadros de agitação e agressividade, a principal causa de institucionalização de

idosos, contribuindo também para o aumento dos gastos públicos e da família com

saúde e trazendo também sérias conseqüências para o cuidador, seja ele familiar ou

profissional, em termos de estresse e qualidade de vida.

Todos esses fatores e, como já dito anteriormente, a demanda crescente por

especialização na área específica, faz com que seja necessária estruturação de

formação e atendimento especializado em psiquiatria geriátrica em todos os níveis no

Brasil.

Os profissionais envolvidos, sempre em atividades multidisciplinares

englobam a equipe de médicos, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,

enfermeiros, assistentes sociais e musicoterapeutas.

O atendimento a idosos com transtornos psiquiátricos em três níveis de

complexidade no SUS deve seguir os seguintes passos:

1. Reconhecimento de casos de depressão e demência, além de quadros de

ansiedade e de psicoses pelas equipes de saúde no serviço primário.

64

Treinamento dessas mesmas equipes em instrumentos básicos de rastreio e

quantificação de transtornos, com escalas validadas em nosso meio.

2. Encaminhamento desses casos para os ambulatórios, onde os diagnósticos

dos casos suspeitos podem ser refinados e o tratamento instituído. Estes casos

serão contra-referidos para a rede primária, na qual o acompanhamento

deverá se dar.

3. Organização de aulas e equipes de educação sobre temas referentes a idosos

na comunidade, juntamente com associações de idosos e de parentes de

pessoas com doenças psiquiátricas de idosos.

4. Estabelecimento de uma rede integrada de atendimento terciário e quaternário

para casos que necessitem de internação.

5. Formação de centros de referências para idosos com demência e depressão

por todo o país, não apenas para o tratamento multidisciplinar e o

estabelecimento de Centros-Dia para reabilitação voltadas para atividades de

vida diária, mas também para garantir a distribuição de medicamentos de alto

custo para demência, psicose e depressão necessários aos usuários idosos.

PROGRAMA DE ATENÇÃO ESPECÍFICA PARA A ÁREA DE ÁLCOOL E

DROGAS NOS TRÊS NÍVEIS

Por todos os problemas sociais que o consumo de drogas causa, costuma-se

considerar o uso de substância como um problema social e não como um problema

de saúde em geral ou especificamente como um problema relacionado com a saúde

mental.

65

Com o objetivo de discutirmos as melhores formas do tratamento da

Dependência Química (DQ), é necessário firmarmos uma premissa que não tem sido

suficientemente ressaltada: a DQ é uma doença que é crônica e não somente um

problema social ou psicológico.

Ao firmarmos esta posição podemos defender de uma forma mais organizada

que o sistema de tratamento da DQ deve assemelhar-se ao de outras doenças

crônicas.

A DQ tem um diagnóstico, uma genética, uma etiologia e uma fisiopatologia

própria. Com relação ao diagnóstico, tanto o sistema americano do DSM quanto o da

OMS a CID da Organização Mundial de Saúde deixam muito claro os elementos

para considerar alguém dependente de uma substância. Quanto à genética os estudos

recentes mostram que com certeza existe um componente biológico na

susceptibilidade de desenvolver a DQ. Com relação a fisiopatologia os estudos

recentes são muito convincentes. Uma coisa é a ação aguda do álcool e de qualquer

droga produtora de dependência. Outra coisa são as adaptações neurofisiológicas que

ocorrem ao longo do processo de uso contínuo. A ação dessas substâncias, nos

processos cognitivos, motivacionais, e comportamentais tornam a dependência uma

situação difícil de sair. Portanto existe uma interação entre a biologia da ação da

droga e os processos comportamentais que tornam a interrupção do uso mais difícil.

Essa ação explica em grande parte as freqüentes recaídas que ocorrem no tratamento

da DQ.

Apesar dessas dificuldades inerentes à etiologia da DQ o tratamento funciona.

McLellan e colaboradores (2000) numa revisão de mais de 100 ensaios clínicos no

tratamento da DQ mostrou que a maioria dos tratamentos produz diminuição do uso

de substâncias, melhora da qualidade de saúde física e mental, muito embora sem a

necessária cura da doença. O importante é a continuidade de cuidados pelo sistema

de saúde. Nesse sentido DQ seria muito próxima de doenças como diabetes,

66

hipertensão e asma. Temos excelentes medicações e uma série de cuidados que

poderiam ser utilizados em diferentes níveis de cuidados que fariam a diferença no

controle ou na morte dos doentes. Têm-se tratamentos muito eficientes que deveriam

estar disponíveis para a população.

Portanto no estabelecimento de uma política assistencial para a DQ devemos

ter em mente que estamos tratando de uma doença que embora crônica pode ser

tratada adequadamente. Temos que diminuir os danos que as substâncias causam à

sociedade como um todo e investir ao máximo para que as pessoas que estejam

dependentes dessas substâncias possam ter todas as chances possíveis para

interromper o consumo. Somente com a abstinência é que o dependente volta a um

nível satisfatório de saúde física e mental. Isso não quer dizer que não se possa

utilizar estratégias de redução de consumo sem abstinência, com resultados menores

do que o ideal. Mas não podemos oferecer à população exclusivamente uma política

de redução de consumo, chamada de redução de danos, como se isso fosse o melhor

para o paciente. O tratamento visando a abstinência pode ser caro, longo e

trabalhoso, mas ainda é o melhor que a medicina pode oferecer.

Em relação a estrutura do tratamento da DQ, vale a pena ressaltar:

1. Não existe um tratamento único para a dependência química. O ideal seria

uma organização de serviços que levasse em conta a diversidade de

problemas (saúde física, saúde mental, social, familiar, profissional, conjugal,

criminal, etc), buscando uma diversidade de soluções.

2. Devido a natureza da DQ alguns pacientes poderão beneficiar-se de

intervenções breves e outra parte necessitar de tratamento mais sistematizado

e com diferentes níveis de complexidade;

67

3. Um sistema de tratamento efetivo deveria ter vários tipos de locais onde as

ações terapêuticas pudessem ocorrer:

Tratamentos genéricos como relacionados a saúde física geral,

assistência social adequada, orientação profissional, etc.

Tratamentos sistematizados ambulatoriais como Terapias Cognitivas,

Motivacionais, Treinamentos de Habilidades Sociais, Grupos de

Apoio Psicológico, Grupos de auto-ajuda como AA, NA, Amor

Exigente, etc.

Tratamentos intensivos e especializados com internações em Hospital

Geral, Clínicas Especializadas, Moradias Assistidas para Dependentes

Químicos, etc.

4. O objetivo do tratamento é emparelhar a natureza e intensidade dos

problemas com a melhor estratégia de tratamento bem como o melhor local e

intensidade do tratamento. Deve-se buscar também um ecletismo esclarecido

onde diferentes filosofias de tratamento possam conviver harmonicamente,

desde que sejam baseadas nas melhores evidências científicas. Como a

tendência é de o tratamento ser feito por um tempo prolongado, a sociedade

não pode pagar intervenções que não tenham suficientes evidências de

resultados.

5. Níveis de Serviços para a Dependência Química

Na tabela abaixo descrevemos níveis de serviços para a DQ e formas e

tratamento que possam ser associados a esses níveis.

68

Nível Forma Serviço

Primário

Cuidados Primários

de Saúde

- Serviço de monitoramento médico por clínico

geral

- Serviço de cuidados psiquiátricos gerais

- Tratamento das principais complicações médicas

- Prevenção de doenças transmissíveis pelo uso de

substâncias

- Emergências e acidentes

- Desintoxicação ambulatorial

- Orientação familiar

- Intervenção/orientação breve

- Encaminhamento para serviços mais complexos

Ambulatório com

acesso facilitado

(Comunitário)

- Orientações psicológicas baseadas em

evidências (Terapias Cognitivo Comportamental,

Motivacionais, Treinamentos de Habilidade

Social)

- Grupos terapêuticos para facilitar abstinência

- Grupos de orientação profissional (reabilitação

psicossocial)

- Programa de facilitação de acesso ao tratamento

- Avaliação e orientação de comorbidades

psiquiátricas

- Desintoxicação ambulatorial medicamentosa

- Orientação familiar estruturada

Secundário

Ambulatório

Especializado em DQ

- Tratamento de comorbidades psiquiátricas

complexas

- Tratamentos psicológicos estruturados,

associados com orientação familiar

- Desintoxicação complexa

- Hospital Dia

- Intervenção estruturada em crise

Programas Internação

Hospital Geral

- Internação em unidade especializada

- Desintoxicação complexa e com comorbidade

médica e/ou psiquiátrica

- Tratamento de intercorrências médicas

- Tratamento de comorbidades psiquiátricas

Terciário

Programa Internação

Unidades

Especializadas

- Programas estruturados para avaliação e

tratamento de comorbidade psiquiátrica e DQ

- Programas complexos de reabilitação

psicossocial com longa duração (mais de 3 meses)

- Moradias assistidas

69

SERVIÇOS DE ATENÇÃO ESPECÍFICA PARA DOENTES MENTAIS

CUMPRINDO MEDIDA DE SEGURANÇA E POPULAÇÃO PRISIONAL

COM TRANSTORNOS MENTAIS

É necessária a criação de pelo menos um Hospital de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico por Estado, com pessoal qualificado, em número adequado e treinado.

Destacamos a importância de equipes de saúde mental completas.

É indispensável que o SUS tenha participação no custeio das despesas

decorrentes do atendimento desses pacientes, o que proporcionaria melhores

condições de funcionamento dessas instituições.

Cada estabelecimento prisional deve contar com uma equipe de saúde mental.

Assim, no próprio ambiente prisional poderia ser prestado atendimento a casos mais

leves que não necessitassem remoção para o HCTPs. Isso teria dupla vantagem: o

atendimento seria prestado mais rapidamente, pois os profissionais estariam mais

próximos do apenado, diminuindo assim o risco do duplo estigma, ou seja, a

condição de criminoso e de doente mental que acompanha todo aquele que tem

passagens pelos HCTPs.

Os serviços penitenciários deveriam desenvolver programas específicos para

a prevenção do suicídio e para o manejo do abuso e dependência de substâncias

psicoativas.

Considerando que não há evidências científicas da relação doença mental e

periculosidade, desenvolver campanhas para quebrar este estigma e excluir, no

Código Penal, o doente mental da condição de perigoso.

70

DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS

Sobre a distribuição de medicamentos essenciais e de alto custo, encontramos

no Relatório de Avaliação de Programa - Ações de Atenção à Saúde Mental – do

Tribunal de Contas da União (TCU) a seguinte afirmação: “Entrevistas com os

gestores estaduais e municipais, com responsáveis pelos CAPS e SRT, além de

relatos de familiares e pacientes, evidenciaram deficiências na distribuição dos

medicamentos destinados aos portadores de transtornos mentais, traduzida pela

descontinuidade na distribuição dos medicamentos essenciais e demora na

distribuição dos medicamentos de alto custo. Nas respostas aos questionários dos

CAPS, 41,3% dos respondentes informaram que os pacientes não obtêm os

medicamentos sempre que solicitam”.

A dispensação gratuita de medicamentos deverá ser garantida a todos os

pacientes, sem interrupção do fluxo. Nas unidades de atenção primária seriam

dispensados medicamentos da cesta básica, composta por fármacos de baixo custo,

que necessita ser ampliada e periodicamente atualizada, dando-se preferência aos

genéricos. A escolha do fármaco é do médico assistente.

Nas unidades de atenção secundária além dos medicamentos da cesta básica

seriam dispensados medicamentos de alto custo. Neste caso, a ABP, respaldada pela

AMB e CFM fará as propostas dos protocolos para a prescrição, atualizando-os

periodicamente, respeitando os princípios éticos do receituário médico estabelecidos

pelo CFM.

Nas unidades de atenção terciária seria garantida a manutenção do acesso

gratuito aos medicamentos de alto custo, inclusive em se tratando de serviços

contratados. Neste caso, considerando a necessidade de cada paciente, tais

medicamentos seriam fornecidos pelo sistema e seus custos não estariam incluídos

no preço do procedimento.

71

REABILITAÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL

Hoje não existe uma política do Ministério da Saúde para combater o estigma

ao doente mental e comprometida com sua reabilitação e reinserção social.

As limitações ou perdas de capacidades operativas para o desempenho social

e laboral decorrentes do adoecer mental devem ser objeto de estratégias de

reabilitação dirigidas aos recursos dos pacientes, aos talentos existentes e às

possibilidades para lidar com a doença que minimizem a incapacidade. Reabilitação

psiquiátrica é um conjunto de serviços dirigidos a pessoas com doenças mentais e

déficits funcionais graves.

A ajuda às pessoas com incapacidades decorrentes de um transtorno

psiquiátrico para aumentar o nível de seu funcionamento de tal forma que possam

sentir-se bem sucedidas e satisfeitas deve ser feita através de: alternativas

residenciais, facilitação do transporte, programas de suporte comunitário (centros de

convivência), oficinas de trabalho protegidas, suporte à atividade escolar, grupos de

auto-ajuda e defesa de direitos.

72

VIII – FINANCIAMENTO

A situação atual da assistência em Saúde Mental no Brasil piorou

demasiadamente nos últimos 15 anos. Com esta política o Ministério da Saúde

retirou da Saúde Mental cerca de 2/3 dos recursos originariamente a ela destinados.

Eram de aproximadamente 5,8% do orçamento total da área Saúde e hoje é de cerca

de apenas 2,3%.

Fica evidente que a divulgação feita pela Coordenação-Geral de Saúde

Mental do Ministério da Saúde de que os recursos antes gastos com internações

seriam destinados aos serviços extra-hospitalares não corresponde à realidade. Os

recursos oriundos do fechamento de aproximadamente 60% dos leitos psiquiátricos

73

do país, foram retirados da Saúde Mental e não aplicados na construção de uma rede

integrada e eficiente de serviços extra-hospitalares. Salientamos que a construção da

rede deveria anteceder ao fechamento de leitos.

Observamos que vêm sendo fechados leitos psiquiátricos para atendimento à

pacientes do SUS e abrindo-se leitos psiquiátricos para atendimento a pacientes do

Sistema Suplementar, gerando desigualdade social.

O Ministério da Saúde informa que em Saúde Mental, hoje, são gastos cerca

de 56% com internações e 44% com serviços extra-hospitalares.

A perda de fatia considerável do orçamento da área da Saúde associada à

diminuição do número de leitos e a falta de estrutura extra-hospitalar vem gerando

uma desassistência que não aparece nas estatísticas, mas pode ser observada nas

longas filas para marcação de consulta psiquiátrica, na superlotação das emergências

psiquiátricas, na ocupação de mais de 100% dos leitos, no crescente número de

doentes mentais nas prisões e no grande número de doentes mentais nas ruas.

Para que o Sistema de Assistência Integral em Saúde Mental funcione com

eficiência e com qualidade é necessário um financiamento adequado. É o óbvio.

Qualquer gestor com um mínimo de capacitação em administração sabe que não é

possível implantar, implementar, executar e avaliar serviços se não houver um estudo

adequado dos custos e a disponibilidade dos recursos necessários.

A Lei 8.080/1990 define em seu artigo 26 que os critérios e valores para a

remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão

estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no

Conselho Nacional de Saúde e que na fixação dos critérios, valores, formas de

reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do

Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo

74

econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços

contratados.

O Ministério da Saúde, na área de saúde mental, não trabalha com planilhas

de custos dos serviços que são executados diretamente pelas secretarias estaduais e

municipais de saúde ou pelos estabelecimentos assistenciais contratados. Faz

exigências, mas não sabe os custos das mesmas. Não sabe se está exigindo pouco ou

algo impossível de ser realizado com os valores pagos. Na verdade, remunera os

serviços com preços incompatíveis com as exigências que faz e com a qualidade do

serviço que deveria garantir.

Exemplo desta política de financiamento desordenado foi à publicação da

Portaria nº 224/1992, incontestavelmente um grande avanço na melhoria da

assistência psiquiátrica hospitalar, mas que entrou em vigência sem a contrapartida

da remuneração necessária para o cumprimento das exigências. O valor foi fixado

arbitrariamente ao equivalente a US$ 8.00 (oito dólares). O Ministro da Saúde a

época, Dr. Adib Jatene, interveio e compôs um Grupo de Trabalho, através da

Portaria SNAS nº 321/1992 estabelecendo que os valores de remuneração fossem

fixados com base em demonstrativo econômico-financeiro. Calculou-se, à época, que

o valor deveria ser o equivalente a US$ 20.00 (vinte dólares).

A remuneração da consulta do médico psiquiatra varia de R$ 2,54 a R$ 7,77.

A do psicólogo é de R$ 2,54.

As portarias do Ministério da Saúde que estabelecem os parâmetros mínimos

para o funcionamento dos CAPS fazem exigências impossíveis de serem atendidas

com os recursos que são a eles destinados. Por exemplo, um CAPS II trabalhando de

acordo com a portaria que estabelece as exigências e a remuneração gera um déficit

mínimo de R$ 3.000,00 por mês. Isto se o cálculo for feito com os pisos salariais de

cada categoria dos profissionais necessários e se a cobertura do médico psiquiatra for

75

de apenas metade do tempo de funcionamento do CAPS e se não ocorrer nenhuma

falta de paciente. Ainda, se não for incluído os custos da dispensação de

medicamentos.

A Portaria GM/MS nº 251/2002, que estabeleceu o PNASH, versão

psiquiatria, também está totalmente dissociada dos valores necessários para o

atendimento das exigências. Por exemplo, a receita máxima mensal de um hospital

com 240 leitos seria de R$ 206.496,00. Valor que não cobre sequer as despesas com

os recursos humanos exigidos que seriam da ordem de R$ 209.638,98, segundo

cálculo realizado pela Fundação Getúlio Vargas.

Um gestor sério, minimamente competente, não pode formular portarias

estabelecendo exigências e remunerar os serviços prestados com valores que não

cobrem sequer os custos operacionais básicos. É impossível para o prestador oferecer

qualidade em serviços sabidamente deficitários. Hoje, os municípios estão em

dificuldade para manter os serviços assistências em todos os níveis.

Sobre aspectos orçamentários e financeiros, encontramos no Relatório de

Avaliação de Programa - Ações de Atenção à Saúde Mental – do Tribunal de Contas

da União (TCU) as seguintes afirmações:

“Nos exercícios de 2000 a 2003, havia o Programa 0018 – Saúde Mental, cujos

valores previstos e executados estão na Tabela 1. Destaca-se a baixa utilização dos

créditos orçamentários, em especial nos exercícios de 2000 e 2001. Nestes anos

nota-se também a pequena taxa de pagamentos efetuados, em relação ao crédito

empenhado (valores pagos em relação à execução orçamentária), pelo que se

conclui terem ocorrido elevados cancelamentos de restos a pagar. Em 2001,

apenas 1,15% do valor empenhado foi pago, correspondendo a 0,57% do valor

orçamentário previsto”.

76

“Os valores alocados no Programa Plurianual (PPA) 2204/2007 para as

três ações diretamente relacionadas à atenção à saúde mental, inseridas no

Programa 1312, estão indicadas na Tabela 2, que contém também os valores pagos

até 15/01/2005”.

Necessário se faz corrigir as distorções existentes para que o sistema possa

oferecer aos pacientes serviços com qualidade e em quantidade necessárias e para

isto as metas a serem alcançadas são: recuperar rapidamente o percentual histórico de

6% do orçamento total da saúde destinados para a saúde mental e em seguida

trabalhar pelo crescimento desse percentual, aumentando assim os recursos

financeiros para a saúde mental para ampliação, fortalecimento e otimização da rede

de atenção a saúde mental em todos os serviços de diferentes complexidade; utilizar

plenamente os créditos orçamentários; criar garantias de que os recursos financeiros

resultantes da redução do sistema hospitalar sejam efetivamente aplicados nos

serviços extra-hospitalares; aumentar os recursos destinados à distribuição gratuita de

medicamentos essenciais na área de saúde mental e equiparar a remuneração do

psiquiatra àquela do médico do PSF.

77

Para se alcançar estas metas consideramos importante o maior aporte de

recursos ao orçamento do SUS e para isso é fundamental a regulamentação da

emenda constitucional número 29.

O quadro abaixo mostra comparativo dos percentuais gastos com saúde

mental em diversos países:

COMPARATIVO DOS PERCENTUAIS ANUALMENTE GASTOS COM

SAÚDE MENTAL EM RELAÇÃO AO ORÇAMENTO TOTAL DE

SAÚDE DOS PAÍSES

2,30

5,00

5,80 6,00

7,70

10,00

11,00

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

BRASIL FRANÇA ISRAEL USA IRLANDA INGLATERRA CANADA

FONTE: PROJETO ATLAS DA OMS.

78

IX - AVALIAÇÃO e CONTROLE

O controle da qualidade e da eficiência dos diversos serviços deve ser feito

por intermédio de fiscalizações periódicas em todos os serviços, nos diversos níveis

de assistência, observando-se parâmetros iguais para todos.

Os parâmetros para fiscalização devem ser estabelecidos com critérios

científicos em todos os níveis de atenção. Devem ser sempre claros e compatíveis

com a remuneração. As modificações dos instrumentos de avaliação devem sempre

ter o objetivo do aperfeiçoamento dos serviços, devem ser periódicas, em intervalos

de tempo pré-definidos, oferecendo-se aos serviços tempo suficiente para as

modificações.

As equipes de avaliação, nos níveis municipal, estadual ou federal, em suas

composições necessariamente contarão com especialistas nas respectivas áreas,

experientes em assistência, por representante da ABP, por representante do CRM e

por representante dos familiares do local. A equipe de profissionais que trabalha no

serviço avaliado deve acompanhar a avaliação para melhor esclarecer sobre o

trabalho desenvolvido e suas peculiaridades. Ao final da avaliação, a equipe

avaliadora deve apresentar o seu relatório a toda a equipe do serviço para que todos

possam discutir e opinar, uma vez que o intuito deve ser o de preservar o bom

atendimento sanando falhas e buscando sempre o aperfeiçoamento.

79

X - CONCLUSÕES

1. A ABP, como representante dos psiquiatras brasileiros, congregando mais

de 5.000 associados em 58 instituições federadas pelo Brasil, vem

defendendo, desde os anos 60, a reformulação do modelo da assistência em

Saúde Mental no Brasil. Ao longo de seus 40 anos de existência a ABP

sempre lutou por um atendimento eficiente, de qualidade e digno para os

doentes mentais, contribuindo assim para a elaboração da Lei 10.216/2001.

2. Com a criação do SUS, a universalidade de acesso aos serviços de saúde

constituiu-se, sem nenhuma dúvida, em um extraordinário avanço para toda

a população brasileira, significando muito para os doentes mentais. Mas,

lamentavelmente, não foram criados serviços de nível primário e

secundário em saúde mental de acordo com as necessidades e os serviços

de nível terciário existentes se deterioram progressivamente.

3. A Lei 10.216/2001 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas

portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em

saúde mental é abrangente e moderna em todos os aspectos, acolhendo as

necessidades dos doentes mentais em seus mais diversos graus de

complexidade.

4. O modelo assistencial que vem sendo implantado e executado pela

Coordenação Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde não respeita a

Lei 10.216/2001.

5. Considerando-se o modelo assistencial adotado, a Coordenação Geral de

Saúde Mental do Ministério da Saúde tem promovido progressivamente a

exclusão do médico psiquiatra da equipe que assiste o doente mental e a ele

têm atribuído as mazelas do sistema.

80

6. Trocou-se um modelo hospitalocêntrico obsoleto por um modelo

Capscêntrico incapaz de atender as necessidades dos pacientes com

transtornos mentais, atribuindo-se aos psiquiatras as mazelas do sistema.

7. E necessária à criação de uma Rede de Atenção Integral em Saúde Mental

que efetivamente atenda as necessidades dos pacientes em todos os níveis

de assistência, promoção, prevenção, atenção e reabilitação.

8. A ABP reitera seu compromisso de estabelecer parâmetros das

necessidades para a adequada assistência em saúde mental no Brasil.

9. A desassistência pode ser observada nas longas filas para marcação de

consultas psiquiátricas, na superlotação das emergências psiquiátricas e na

ocupação de leitos acima de 100%.

10. Recomenda-se a inclusão da eletroconvulsoterapia (ECT) nas listas de

procedimentos do SUS uma vez que a ECT tem sólida base científica e

possibilita benefícios reais aos pacientes.

11. A exclusão do hospital psiquiátrico especializado não se sustenta

cientificamente e está gerando desassistência aos doentes mentais.

12. Instituir elenco de estímulos para a criação de Unidades Psiquiátricas em

Hospitais Gerais do SUS, Hospitais Universitários e em hospitais da rede

contratada.

13. A atual política de medicamentos do Ministério da Saúde precisa ser

aperfeiçoada para garantir que na dispensação gratuita da cesta básica de

medicamentos haja qualidade, que seja periodicamente atualizada e que

81

mantenha a continuidade do fluxo de distribuição. Assim como, precisa ser

aperfeiçoada para garantir a dispensação gratuita de medicamentos de alto

custo, deixando de privilegiar indicações para determinados diagnósticos,

deixando de promover reserva de mercado, revisando periodicamente seus

critérios, dispensando os medicamentos para pacientes em qualquer serviço

em que estejam sendo tratados, quer seja em nível ambulatorial ou de

internação e garantindo a continuidade do fluxo de distribuição.

14. A atual política de saúde mental do Ministério da Saúde em execução pela

Coordenação de Saúde Mental há cerca de 15 anos, segundo dados do

DATASUS, conseguiu reduzir o orçamento da área em 60% do valor

anteriormente a ela destinado, caindo de 5,8% do orçamento anual da

Saúde para 2,3%. Os recursos atuais são insuficientes.

15. Utilizar os créditos orçamentários em sua plenitude;

16. A remuneração do psiquiatra necessita ser, no mínimo, equiparada àquela

do médico do PSF.

17. A correção de rumo e a mudança da política de saúde mental do Governo

Federal, através do Ministério da Saúde urgem, pois a desassistência já está

instalada e poderá se tornar dramática por razão de orçamento.

82

XI - CRÉDITOS

Diretoria da

Associação Brasileira de Psiquiatria

Josimar Mata de Farias França (DF)

Presidente

João Alberto Carvalho (PE)

Vice-Presidente

Miguel Abib Adad (RS)

Secretário Geral

Luiz Alberto Hetem (SP)

Tesoureiro Geral

João Carlos Dias (RJ)

Tesoureiro Adjunto

Grupo de Avaliação da Reforma do Modelo de Assistência em Saúde Mental no Brasil

Aglaé Amaral Sousa (BA)

Antônio Geraldo da Silva (DF)

Carlos Eduardo Kerbeg Zacharias (SP) - Relator

Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti (AL)

Geder Evandro Motta Grohs (SC)

João Alberto Carvalho (PE)

Josimar Mata de Farias França (DF)

Juberty Antônio de Souza (MS)

Salomão Rodrigues Filho (GO) - Relator

Sergio Baxter Andreoli (SP)

Sérgio Tamai (SP) - Relator

Tácito Augusto Medeiros (PE) - Coordenador

Wanderly Barroso Campos (GO)

83

Comissão Revisora:

Antonio Geraldo da Silva (DF)

Jane Lemos (PE)

Josimar Mata de Farias França (DF)

Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior (MS)

Salomão Rodrigues Filho (GO) - Coordenador

Walmor João Piccinini (RS)

Consultores:

Francisco Baptista Assumpção Júnior

Jerson Laks

José Geraldo Vernet Taborda

Ronaldo Ramos Laranjeira

84

XII - BIBLIOGRAFIA

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