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Médicos e indústria farmacêutica

Por: CREMESP

1 de dezembro de 2006

Médicos e indústria farmacêutica[1]

Conselheiro do CFM defende regras para esta relação problemática 

 

 

 

 

            Brindes, patrocínios a congressos, pagamento de viagens e hospedagem, educação continuada: quais são os limites do relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica? O conselheiro-corregedor do Conselho Federal de Medicina, o cardiologista Roberto Luiz D’Ávila, responde: “ninguém sabe quais são os limites, mas uma coisa é certa, precisamos estabelecer algumas regras mínimas”. D’Ávila, que também é professor-adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, falou sobre o tema – “Conflitos de Interesse entre a Indústria Farmacêutica e os Médicos” – durante plenária dos conselheiros do Cremesp, no dia 28 de novembro, presidida por Desiré Callegari. O foco de sua fala foi a indústria farmacêutica, mas o conselheiro do CFM observou que o mesmo assunto poderia abranger a indústria de equipamentos médico-hospitalar, “que também tem feito um marketing muito agressivo”.

            Sabe-se que 30% de todo orçamento da indústria farmacêutica é investido em marketing e publicidade. A acirrada disputa comercial faz com que a indústria farmacêutica treine constantemente os propagandistas com estratégias de vendas e abordagem; esteja sempre criando campanhas publicitárias e, principalmente, investindo fortemente no patrocínio de congressos, simpósios e jornadas, e na oferta de benefícios individuais. “Nem mesmo as festas de aniversário de formatura escaparam do cerco da indústria. Na festa de 30 anos de formatura da minha turma, vários colegas estavam com uma camiseta de um laboratório, que possivelmente havia financiado a presença do disc-jockey da festa e, por isso, tivemos que escutar uma palestra sobre Dor e Coração, que falava de um antiinflamatório”, lamentou d’Ávila.

 

            Denúncias

            As denúncias apontam também: médicos falam, em eventos científicos, favoravelmente sobre drogas de laboratórios que estão patrocinando sua viagem e hospedagem sem citar o conflito de interesses; médicos recebem “salários por fora” de laboratórios a título de colaboração pela participação em congressos ou outros eventos; médicos aceitam presentes, dinheiro e convites de viagem patrocinados por laboratórios e, como contrapartida, receitam remédios dos patrocinadores; laboratórios interferem na pauta de eventos e de publicações médicas em troca de patrocínio.

            A Resolução do CFM nº 1.595/00 obriga o médico que fala em eventos científicos a esclarecer se está sendo patrocinado ou não pela indústria farmacêutica. “Porém não temos pessoal para fiscalizar todos os eventos e saber quem falou ou não”. Esse jogo, alertou, “tem essa característica: ouve-se falar, há muitas denúncias, mas ninguém consegue provar”.

            As denúncias não ocorrem apenas no Brasil. D’Ávila citou, por exemplo, uma frase do JAMA (Journal of the American Medical Association), de 2001: “A indústria farmacêutica possui os médicos e dita o curso da educação e da pesquisa e, em última análise, da própria prática da medicina em níveis previamente inimagináveis”

            Outra grave denúncia citada pelo conselheiro do CFM é a de que os laboratórios não publicam os resultados negativos de pesquisas realizadas em centros médicos.

            A ingerência da indústria farmacêutica na prescrição de medicamentos foi tratada na matéria “Farmácia espiona médicos para laboratórios”, publicada pelo jornal “Folha de São Paulo”, em 4 de setembro de 2005. Em recompensa, dizia a reportagem, esses laboratórios estariam presenteando os médicos com brindes, viagens e inscrições em congressos. O controle da fidelidade do médico seria feito por meio de farmácias  e drogarias que, em troca de brindes e dinheiro, repassavam para os laboratórios cópias das receitas aviadas. Segunda D’Ávila, esta é “uma invasão irregular da privacidade do médico e, mais grave, da vida do paciente”. O diretor médico da Boehringer Ingelheim do Brasil, José Carlos Breviglieri, em debate publicado pela revista “Ser Médico”, editada pelo Cremesp, afirmou: “Não vamos chamar de controle, mas de pesquisa. Isso não é feito pela indústria farmacêutica diretamente, mas sim por outras empresas que não pertencem ao setor. E vendem para a indústria farmacêutica”.

 

            Pesquisa

            Pesquisa publicada no JAMA, em janeiro de 2000, analisou 29 estudos sobre o relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica e concluiu pela existência desses resultados negativos:

ü      prescrição não-racional;

ü      prescrição crescente de fármacos mais recentes e mais caros sem vantagem demonstrada sobre os antigos da mesma classe;

ü      os médicos demonstraram falta de preocupação com a influência de presentes, material promocional, refeições e almoços de trabalho”, que estão na origem do favorecimento da companhia com a qual interagem.

“Todos concordam que há abusos” no relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica, disse D’Ávila, lembrando uma apresentação que fez a um conselho científico de uma entidade médica com a presença de representantes da sociedade de especialidades. “Todos concordam que deve haver regras, mas ficam preocupados com a interrupção da educação médica continuada na qual a indústria farmacêutica – nós reconhecemos isso – tem tido um papel importante”, completou.

O médico tem, segundo o conselheiro do CFM, algumas obrigações que ele chama de fiduciárias, uma vez que o profissional “não é o cliente do fabricante de medicamentos”.

São elas:

ü      O médico não tem direito legítimo aos privilégios da relação cliente-fornecedor;

ü      O cliente do fabricante é o paciente. É quem compra o medicamento e é o único que se submete aos riscos e benefícios do tratamento;

ü      Qualquer motivo da parte do médico, que não seja o benefício do paciente, é injustificável.

            O brinde – observou o corregedor do CFM – é custeado com o dinheiro que os pacientes empregaram na aquisição de medicamentos.
”O médico é quem decide qual medicamento os pacientes compram. O brinde pode ser considerado como uma tentativa de suborno, ou uma tentativa de influenciar a compra, que é de fato a intenção da indústria”. Se alguns médicos acreditam que os pequenos brindes são aceitáveis, “por que não deveriam receber os de maior valor?”, questionou.

 

            Medidas restritivas: propostas

            “Há experiências de regulação bem-sucedidas em outros países”, opinou D’Ávila.

            Segundo ele, as regras devem abranger tanto os pequenos brindes como os grandes benefícios e vantagens. É possível – defendeu – promover educação continuada por meio de parcerias, livros, congressos, jornadas, sem patrocínio da indústria. “Se quiser colocar um estande no congresso, pode, mas não queremos brindes, canetas, almoços”. Isso – reconheceu – pode criar obstáculos para os residentes ou médicos com baixo poder aquisitivo, “mas as sociedades de especialidades vão ter que suprir isto e criar mecanismos alternativos”.

            A dependência da indústria poderia ser evitada, sugeriu o corregedor, se os congressos fossem mais simples. “Tem congressos que tem até shows com artistas, pagos por laboratório. É absolutamente desnecessário”.

            O tema da palestra do corregedor do CFM suscitou um acalorado debate entre os conselheiros, muitos dos quais se posicionaram a respeito. Algumas das sugestões e comentários foram:

ü      Criar, em relação aos médicos e indústria farmacêutica, organismos similares à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), que funcionam bem no campo da bioética;

ü      Aprovar Resolução proibindo a presença de propagandistas em hospitais, uma vez que nos consultórios não se pode proibir;

ü      Acionar o Ministério Público nos casos mais graves, que caracterizam-se como corrupção: porcentagem no custo de próteses, participação no preço do medicamento etc;

ü      Fortalecer a luta contra a abertura indiscriminada de escolas médicas, para evitar que médico mal formado chegue ao mercado de trabalho;

ü      Lutar pela quebra de patentes de medicamentos e incrementar genéricos;

ü      Colocar no Código de Ética capítulo sobre o conflito de interesse;

ü      Focar também a Academia, onde a relação com a indústria farmacêutica “é muito complicada”;

ü     Realizar um fórum sobre o assunto convidando o CFM e as sociedades de especialidade, a exemplo do que foi feito em 2004 pelo Cremesp.

 

Legislação

 

Código de Ética Médica

ü      Artigo 8º: O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar a sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho;

ü      Artigo 9º: A medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma ser exercida como comércio;

ü      Artigo 10º: O trabalho médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.

 

            Resolução CFM nº 1595/00

            É vedado:

ü      Vinculação da prescrição médica ao recebimento de vantagens materiais oferecidas por laboratórios ou empresas de equipamentos de uso na área médica.

ü      Proferir palestras ou escrever artigos divulgando produtos farmacêuticos ou equipamentos, sem declarar os agentes financeiros que patrocinam suas pesquisas.

 

            Anvisa RDC 102/00

ü      É proibido oferecer ou prometer prêmios ou vantagens aos profissionais de saúde habilitados a prescrever ou dispensar medicamentos e que exerçam atividade de venda direta ao consumidor.

ü      Os profissionais de saúde não podem solicitar ou aceitar nenhum incentivo se esses estiverem vinculados à prescrição, dispensação ou venda. 

 

    



[1] Extraido do JORNAL DO CREMESP 232:8-9; dezembro de 2006

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